quarta-feira, 26 de maio de 2010

Questão Sancionatória do Direito do Ambiente

O presente trabalho visa tentar explicar, resumidamente, a questão Sancionatória do Direito do Ambiente, através da análise de pontos favoráveis para a tutela Penal e para a via Administrativa, e ainda expor um importante caso para a matéria Ambiental no qual ocorreu uma inovação para o Brasil na sua decisão judicial com a aplicação de uma sanção acessória.
O surgimento do Direito Penal do Ambiente é um fenômeno recente. Para o Direito Penal intervir em qualquer questão, deve estar em causa valores fundamentais da sociedade. A pouco tempo a defesa do ambiente assumiu a dimensão de um bem jurídico objetivo fundamental, já que passou a entender a preservação e degradação do ambiente como exigências da realização da dignidade humana.
Mas a questão é: O Direito Penal é o instrumento mais eficaz da defesa do ambiente pela via sancionatória? Ou seria através do Direito Administrativo?
Ao criar um novo crime a ordem jurídica está a reagir de forma mais energética dando maior dignidade jurídica a defesa do Ambiente. Provoca também uma maior intensidade da tutela ambiental, através da aplicação de penas privativas de liberdade, retirando a idéia de simples custo da atividade econômica poluente colocada pela sanção pecuniária. E ainda como fator positivo da tutela sancionatória ambiental pela via penal, há as garantias dadas pelo processo penal (artigos 27 a 32 da Constituição).
Porém existem variados fatores que favorecem a via Administrativa em detrimento da Penal. De acordo com Paulo de Sousa Mendes (Vale a pena o Direito Penal do Ambiente?, A.A.F.D.L., Lisboa, 2000, p. 32) há os inconvenientes do direito penal simbólico já que se tem grande dificuldade de efetivação da pena de crime ambiental, assim conforme o autor quando porventura nos viermos a confrontar com os escassos casos de consumação efectiva da perseguição penal, não deixaremos de sentir a incomodidade característica de quem tem de enfrentar, olhos nos olhos, alguns poucos bodes expiatórios, que como sempre, têm de pagar a factura do anúncio à comunidade que a lei é pra ser cumprida .
Há também a incoerência da qual no Direito Penal do Ambiente prevalece sobretudo a idéia de direito repressivo e no Direito Ambiental, a idéia de preventivo. Além do que, a via Administrativa é mais flexível e célere, o que decorre da simplicidade do procedimento administrativo comparado ao processo judicial penal.
Outro ponto muito importante é a possibilidade de responsabilização de pessoas coletivas pela via administrativa (e ainda é permitido um aligeiramento da apreciação do nexo de causalidade em matéria de ambiente), não podendo ser responsabilizadas criminalmente, isso gera um fator de grande relevância contra a tutela penal do ambiente já que as empresas são a principal fonte de problemas ambientais.
De acordo com Paulo de Sousa Mendes (Vale a pena o Direito Penal do Ambiente?, A.A.F.D.L., Lisboa, 2000, p. 19) o Projeto de Revisão do Código Penal constava, no art. 273 (agora art. 279), uma proposição final, na qual se remetia a responsabilidade de pessoas coletivas pelo crime de poluição para futura regulação, em lei especial. Este trecho desapareceu da versão definitiva do Código Penal. E ainda de acordo com o autor, o legislador quis deixar registrada uma promessa de consagração da responsabilidade de pessoas coletivas pelo crime de poluição, cuja concretização é, no entanto, deixada em aberto.
No Brasil a situação é bem diferente já que prevê a punição da pessoa jurídica, como no art. 29, do Código Penal Brasileiro e art. 2, da Lei ambiental – Lei 9.605 de fevereiro de 1998. Tais normas se referem a “quem e de qualquer forma”, além de se referir à responsabilidade do diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir... (conforme Valdir Sznick, Direito Penal Ambiental, Ìcone Editora, 2001, p.48).
Portanto, como visto acima, nenhum sistema é perfeito em matéria sancionatória do ambiente, dessa forma é preciso fazer uma combinação das sanções penais, para condutas mais graves, com as de natureza administrativa. Entretanto no Direto Português há, de acordo com o professor Vasco Pereira da Silva (Verde cor de Direito. Coimbra, Almedina Editora, 2002, p. 281), preferência pela via administrativa que resulta da lógica e do “espírito” do sistema considerado na sua globalidade, o que não impede que normas isoladas pareçam apontar em sentido diverso.
De acordo com Figueiredo Dias (Tutela Ambiental e Contencioso Administrativo, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 69), ao nível sancionatório se sente a preferência pelo ilícito de mera ordenação social se bem que, com ligações profundas ao ilícito penal, é na sua essência um ilícito administrativo.
O n. 2 do artigo 47, da LBA diz que: Se a mesma conduta constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o infractor sempre punido a título de crime, sem prejuízo das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação. E ainda de acordo com o autor, não pode deixar de chamar atenção para o n. 3 do artigo 47, da LBA, que prevê algumas sanções acessórias passíveis de serem aplicadas cumulativamente com as coimas, sanções estas que podem ter um préstimo especial quando aplicadas a agentes perturbadores do ambiente: tal é o caso da interdição do exercício de uma profissão ou actividade (al. a)), da privação do direito a subsídio outorgado por entidades ou serviços públicos (al. b)), da cessação de licenças ou autorizações relacionadas com o exercício da respectiva actividade (al.c)), da apreensão dos objectos utilizados ou produzidos aquando da infracção (al.d)) e da perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de estabelecimento de crédito de que o infractor haja usufruído (al. e)).
Essas sanções acessórias são de extrema importância já que permitem uma resposta de forma direta para o ambiente atingido pela infração. Isso é o caso de sanções que impõe, por exemplo, reposição a situação anterior à infração. Ou seja através de Conforme o Professor Vasco Pereira da Silva (aulas teóricas de Direito Administrativo do dia 18 de maio de 2010) as sanções acessórias são de tanta importância que poderiam até serem as principais.
É nesse sentido que é relevante o caso que ocorreu no Brasil no município de Cataguazes, que além de ser conhecido internacionalmente como o maior incidente de poluição fluvial, foi inovador no sentido da sanção imposta.
O acidente ocorreu no dia 29 de março de 2003, no município de Cataguazes, na região da Zona da Mata no estado de Minas Gerais, Brasil. Um reservatório de substâncias tóxicas mantido pela Industria Cataguazes Papel e Celulose rompeu-se por causa de seu péssimo estado de conservação; despejando cerca de 1.2 bilhões de litros de dejetos químicos no Rio Pomba, um dos maiores afluentes da porção media do Rio Paraíba do Sul.
A mancha tóxica que foi liberada no Rio Pomba tinha o volume de rejeitos sólidos superior a 1,4 milhões de m3, material resultante do cozimento da madeira para a extração da celulose, composto basicamente de hidróxido de sódio e material orgânico, além de chumbo, enxofre, hipoclorito de cálcio, sulfeto de sódio, antraquinona e outros metais utilizados na fabricação de papel. E atingiu rapidamente a calha principal do Rio Paraíba do Sul, atingindo sete municípios do interior do Rio de Janeiro que juntos possuem uma população estimada de 600.000 habitantes.
As medidas de alguns parâmetros químicos, realizadas imediatamente após o acidente pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (FEEMA), indicaram, por exemplo, que o pH e o oxigênio dissolvido atingiram níveis impróprios para a vida dentro do Paraíba do Sul. Além disso, por causa de sua alta viscosidade, a mancha dissolveu-se apenas em águas oceânicas no litoral sul do Espírito Santo, tendo atingido ainda importantes áreas de manguezais no norte do interior do Rio de Janeiro.
Especialistas da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) estimaram que das 169 espécies de peixe existes no Paraíba do Sul, 60 foram diretamente afetadas pelo desastre (entre elas justamente aquelas com maior valor comercial), e muitas tiveram suas populações fortemente comprometidas (quando não inviabilizadas), sem que fosse possível estimar um prazo um
restabelecimento das mesmas. Segundo estimativas do Dr. Francisco Esteves do Laboratório de Biologia da UFRJ, a área atingida poderia levar em torno de quinze anos para restabelecer um balanço ecológico mínimo como resultado da abrangência do impacto sobre o ecossistema. (http://www.planetark.com/dailynewsstory.cfm/newsid/20345/newsDate/3-Apr-2003/story.htm).
A falta de resposta imediata ao acidente por parte dos órgãos responsáveis acabou agravando os impactos do acidente. Isso ocorreu, principalmente, pela falta de articulação inter e intra-institucional que resultou num lapso de tempo relativamente grande até que fossem iniciadas as medidas necessárias não só para conter os danos causados pela mancha tóxica, mas também de identificar as responsabilidades sobre a ocorrência do mesmo. O fato do Rio Paraíba do Sul ser considerado de esfera federal, por cortar três estados do Brasil, serviu para piorar a situação já que aumentou a desarticulação institucional, em que órgãos como a Agência Nacional de Águas, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério Público Federal, o Ministério Publico do Rio de Janeiro, a FEEMA (do Rio de Janeiro), a FEAM (de Minas Gerais), as Secretarias Estaduais do Meio Ambiente do Rio de Janeiro e de Minas Gerais não conseguiram estabelecer uma agenda de ações que servisse tanto para os problemas de natureza imediata como os de longo prazo.
As conseqüências do acidente foram graves também para os habitantes da região afetada que sofreram impactos como a suspensão do abastecimento de água por um período médio de uma semana e a ocorrência de perdas econômicas relacionadas a uma ampla gama de atividades. Entre as atividades afetadas estão a irrigação de culturas agrícolas, o abastecimento de áreas de beneficiamento de plantas industriais, as atividades pesqueiras e o turismo.
O juiz federal em Campos (RJ) condenou os responsáveis pelo acidente em Cataguases ao pagamento de indenização de R$ 144 milhões. A ação civil pública foi proposta pelo MPF (Ministério Público Federal) em Campos. O procurador da República Eduardo Santos de Oliveira pedia indenização e compensação por danos ecológicos e por danos difusos.
A grande inovação se deu na decisão do juiz que determinou a constituição de um fundo próprio a ser fiscalizado pelo MPF para receber o valor determinado. "A idéia é utilizar o fundo na implementação de medidas compensatórias como a reposição de espécimes, a recuperação da vegetação destruída, a despoluição do Rio Paraíba do Sul e o financiamento de projetos e campanhas para educação ambiental", afirma Oliveira.“A decisão é inédita e traz uma perspectiva nova no sentido da mudança de uma lógica do dano para uma lógica do risco e da prevenção", esclareceu o procurador.
Dessa forma a ação visa garantir a implementação de medidas reparatórias e compensatórias a todo o ecossistema atingido pelo desastre, bem como possibilitar e facilitar o retorno à tranqüilidade social abalada pelo acidente (dano moral coletivo), em razão da omissão solidária de todos os réus, que culminou no rompimento da barragem, causando todos os danos já divulgados. "É uma ação de indenização dos prejuízos causados ao meio ambiente e de indenização dos danos morais coletivos às comunidades de oito cidades, uma vez que o acidente alterou a rotina de mais de 600.000 habitantes", esclarece o procurador, (http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia).
O que o MPF pretende é que seja aplicada uma sanção acessória através de uma criação de um fundo especial a ser controlado por um conselho de membros das cidades atingidas pela tragédia ambiental, nomeado pela Justiça e fiscalizado pelo Ministério Público, ressaltando-se que não se trata de destinar dinheiro aos cofres públicos deste ou daquele município, pois o que se deseja é um fundo social, sem gestão pelo Estado.
Apartir da previsão que permite a responsabilização criminal de pessoas coletivas no Direito Brasileiro, são réus na ação as Indústrias Matarazzo de Papéis S/A; Holding Matarazzo IRFM; Indústrias Cataguases de Papel Ltda; Florestal Cataguases Ltda; Iberpar Empreendimentos e Participações; e Vecttor - Projetos S/C Ltda.; o Ibama, a União e o Estado de Minas Gerais. Além de Maria Pia Esmeralda Matarazzo, os sócios das indústrias Cataguazes e três servidores do Ibama: Sônia Braz de Oliveira (coordenadora da Ouvidoria do Ibama em 28/03/2003), Nélio da Silva Prado (chefe substituto da Dicof-MG - Divisão de Controle e Fiscalização) e Aurélio A. de Souza Filho (analista ambiental/responsável pelo Escritório Regional de Juiz de Fora-MG).
Em maio de 2003 foi firmado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), apenas com a Empresa Cataguazes, para que não haja um novo acidente, pois as duas barragens ainda estão em funcionamento. Através dele foi obtido o reforço das barragens e o início do tratamento que possibilitará a desativação. Os donos das empresas Cataguazes também já respondem criminalmente pelo acidente desde outubro de 2003, quando foram denunciados pelo MPF. Ainda há dois inquéritos policiais em andamento, requisitados pelo MPF, investigando os órgãos ambientais responsáveis e as Indústrias Matarazzo, (http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia).
Esse famoso caso brasileiro, é um exemplo de aplicação conjunta de sanções acessórias que tem o objetivo de devolver ao ambiente o que foi destruído além de restabelecer a condição da população afetada e também impor a sanção penal inclusive de pessoas jurídicas.

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