
Princípio da Prevenção
No decorrer das duas últimas décadas tem-se assistido a um fenómeno designado por “esverdear da legislação”, devido a um aumento das preocupações ambientais nos textos legislativos. Este fenómeno tem-se repercutido numa consagração a nível interno, bem como a nível do Direito Internacional, dos princípios do Direito do Ambiente.
Relativamente ao nível interno, logramos observar princípios do Direito do Ambiente consagrados expressa ou implicitamente na maior parte dos textos legais relativos à protecção do ambiente. Nomeadamente, na Constituição da República Portuguesa, no artigo 66º; na Lei Bases do Ambiente, nos artigos 2º e 3º; na legislação especial de protecção dos diversos componentes ambientais; e nos textos legais relativos à luta contra a poluição.
A Constituição da República Portuguesa trata as questões ambientais na dupla perspectiva da sua dimensão objectiva, enquanto tarefa estadual [artigo 9º d) e e)], e da sua dimensão subjectiva, como direito fundamental (artigo 66º). Então, a tutela ambiental integra não apenas a constituição formal, mas também a material, sendo a sua relevância, enquanto componente dos princípios e valores fundamentais da ordem jurídica portuguesa, limite material de revisão constitucional. Limite implícito, enquanto princípio fundamental de defesa da natureza, mas também expresso como direito fundamental ao ambiente (artigo 288º, nº1, alínea d) CRP).
A “Constituição do Ambiente”, na sua dimensão objectiva, implica a consideração de que os princípios e valores ambientais representam bens jurídicos fundamentais, que se verificam na actuação quotidiana de aplicação e de concretização do direito, tal como impõem objectivos e finalidades que não podem ser afastados pelos poderes públicos e que é sua tarefa realizar.
Não obstante o facto de terem um conteúdo relativamente vago, os princípios são úteis na medida em que: permitem averiguar a validade das leis, sendo ilegais ou inconstitucionais as disposições legais ou regulamentares ou os actos que os contrariem; são auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; e permitem a integração de lacunas.
Posto isto, verificamos que o princípio da prevenção desempenha um papel bastante importante na protecção do ambiente, uma vez que assenta numa regra de bom senso, isto é, tentar evitar a ocorrência de danos antes de eles terem acontecido, em vez de contabilizá-los e repará-los. O principal objectivo deste princípio é evitar lesões do meio ambiente, implicando a capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, permitindo a adopção de meios adequados para afastar a sua verificação ou para minorar as suas consequências. Ou seja, devem ser tomadas medidas destinadas a evitar a produção de efeitos danosos para o ambiente e não a reacção a tais lesões.
Pode até dizer-se que este princípio corresponde a um aforismo popular “mais vale prevenir do que remediar”. E isto justifica-se, pois em muitas situações depois de a poluição ou o dano ocorrerem, são impossíveis de remover (por exemplo, a extinção de uma espécie animal ou vegetal); bem como quando a reconstituição natural é materialmente possível, mas é de tal modo onerosa que esse esforço não pode ser exigido ao poluidor; e, ainda, porque economicamente é sempre mais dispendioso remediar do que prevenir, logo o custo das medidas indispensáveis a evitar a ocorrência de poluição é sempre inferior ao custo das medidas de “despoluição”, após a ocorrência do dano, ao qual acresce o custo do próprio dano. Numa sociedade em que são crescentes os factores de risco para a Natureza e que são a contrapartida das vantagens inerentes à sua utilização, a consciência da escassez e da perenidade dos recursos naturais torna imperativa a aplicação jurídica desta regra.
È de salientar uma nova expressão que comprova a ideia supracitada e cuja sigla é Pollution Prevention Pays, ou PPP (em língua inglesa e coincidente com a do princípio do poluidor pagador), que pode ser traduzida por “a prevenção da poluição paga”, ou seja, a prevenção da poluição compensa.
A ideia de prevenção encontra-se subjacente a quase todas as disposições da Constituição do Ambiente, mas encontrou consagração expressa no artigo 66º, nº 2 ao estabelecer que “para assegurar o direito ao ambiente (…) incumbe ao Estado (…): a) prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”.
Assim sendo, a aplicação do princípio da prevenção implica a adopção de medidas antes da ocorrência de um dano concreto cuja origem é conhecida, com o objectivo de evitar novos danos ou de minorar significativamente os seus efeitos. Este princípio tanto se destina a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, como procura afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros.
Concomitantemente, nos últimos tempos tem-se assistido ao desenvolvimento de uma tendência doutrinária no sentido de associar o princípio da prevenção à sua acepção mais restritiva, procedendo-se à autonomização de um princípio da precaução, de conteúdo mais amplo. Para o Professor Vasco Pereira da Silva preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto de antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom senso.
Em suma, no Direito e na Política do Ambiente, mais do que desenvolver instrumentos de “reacção” aos atentados ambientais, interessa, como dispõe a Lei de Bases do Ambiente [artigo 3º, alínea a)], que “ […] as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as causas […] susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente […]”.
Bibliografia:
Canotilho, Gomes (1998). “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta.
Pereira da Silva, Vasco (2002). “Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina.
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