quarta-feira, 26 de maio de 2010

Prevenção ou Precaução???

Princípio da prevenção como pilar do Direito do Ambiente:

O princípio da prevenção constitui um princípio fundamental em matéria de tutela privada do ambiente, constituindo a sua protecção um dever e tarefa fundamental do Estado. Embora subjacente a quase todas as disposições, este princípio está, na ordem jurídica Portuguesa, constitucionalmente consagrado no art 66º/2 a) CRP, estando ainda expressamente previsto na Lei de Bases do Ambiente (doravante LBA), nos artigos 2º e 3º a).

A escassez de recursos naturais e a consciência hoje em dia generalizada, que os comportamentos humanos lesam muitas vezes de forma grave e irreversível os bens ambientais (que são por natureza frágeis e muitas vezes não-regeneráveis), leva a que se tenha neste princípio, o meio mais eficaz de defesa da integridade ambiental.

Recorre-se nestes termos, a uma lógica de actuação antecipativa face a situações potencialmente perigosas, procurando-se por esta via evitar lesões do meio ambiente, ainda que como afirma Menezes Cordeiro “em matéria ambiental é difícil a sua não ocorrência”.

É portanto, neste domínio determinante a jurisdificação da regra “ Better safe than sorry” ou “É melhor prevenir do que remediar”, preferindo-se em nome das gerações presentes e futuras preservar os recursos ambientais, ou seja sendo genericamente aceite que é melhor antecipar os danos que podem vir a tornar-se irreversíveis.

O princípio da prevenção destina-se, e como refere Vasco Pereira da Silva “ a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, como procura, em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não ainda inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros…”. O princípio da prevenção assenta portanto, e como já referido, numa lógica de antecipação quanto a acontecimentos futuros, ou seja de situações potencialmente lesivas do meio ambiente. Trata-se nestes termos de agir para evitar situações de risco, e não reagir a tais lesões (Acção por contraposição a reacção).

Surgimento da Precaução :

Por outro lado, a necessidade de extensão de acautelamento de riscos, fez surgir a ideia de Precaução, que veio por esta via impor um alargamento da tutela preventiva a riscos não comprovados cientificamente. Há portanto agora uma contraposição entre PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO!!

A entrada em vigor do TUE, veio dar consagração expressa a este principio no seu art 174º/2 TUE.

Tem sido objecto de grande controvérsia a consagração ou não deste princípio como Principio Autónomo.

Princípio da Precaução como princípio autónomo? Ou adopção de conteúdo amplo de Prevenção?:

Como refere Carla Amado Gomes, “o leit motiv do surgimento da ideia de precaução, foi a necessidade de travar os elevados níveis de poluição marinha, que os Estados provocavam na crença na tese da capacidade de assimilação, a qual assentava num pressuposto de tendencial capacidade de absorção dos poluentes”.

A inovação do principio da Precaução relativamente ao principio da prevenção, é portanto o da extensão da atitude cautelar de riscos, uma vez que enquanto a “prevenção lida com a probabilidade, a precaução vai além, cobrindo a mera possibilidade- e mesmo a descoberto de qualquer base de certeza cientifica”.

Significa pois, que sendo um resultado directo da multiplicação de riscos, este princípio envolve uma inversão do ónus da prova. Ou seja, impõe-se agora que seja o presumível agente agressor do meio ambiente que faça prova da inocuidade da sua intervenção, mesmo sem que a Ciência lhe forneça as provas mínimas para tal. No entanto, temos de ter em consideração que a sociedade em que actualmente vivemos é uma sociedade de risco, uma sociedade da imprevisibilidade, da incerteza, uma vez que os efeitos desconhecidos e inesperados passaram a ser a “força dominante”. Por conseguinte, considera a autora, que este é um princípio condenado á partida pois na sua pureza, este conduziria a uma paralisação e até mesmo a uma regressão, uma vez que na sociedade de risco dos nossos dias, a certeza sobre inocuidade ambiental de uma inovação técnica, é impossível porque nada é já indubitavelmente inócuo. Mais, não seria legitimo exigir a prova da inocuidade de uma intervenção quando a Ciência não é sequer capaz de provar a existência desse risco .” Daí que dar o duvidoso pelo certo tenha passado a ser regra”. Assim, entende que não sendo possível evitar os riscos, há que aprender a conviver com eles e adoptar-se necessárias cautelas, ponderando sempre os interesses da protecção do ambiente e da liberdade de iniciativa económica.

Solução adoptada:

Conclui portanto, não haver razões para autonomizar. Carla Amado Gomes considera que não podemos falar do princípio da precaução enquanto tal. Na linha de pensamento de H.Hey, afirma não ter havido uma novidade relativamente as medidas que já derivavam da abordagem preventiva, sendo que a única diferença residiria no momento da sua adopção, previamente á comprovação do dano. O que há na verdade, é um reforço do principio da prevenção, de perigos e riscos,” em que a imposição de restrições às actuações potencialmente lesivas do meio ambiente aumentam na medida da comprovabilidade dos danos e que se baseia numa atitude ponderativa de interesses em presença…”. Defende portanto tratar-se de uma prevenção alargada, ou seja do princípio da prevenção temperado com os parâmetros da proporcionalidade.

Vasco Pereira da Silva, por seu turno, considera que “ preferível á separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos, é a construção de uma noção ampla de prevenção…”, e aponta diversas razões nesse sentido, a saber:

  • · Distinção entre prevenção e precaução não encontra correspondência na linguagem comum. São antes expressões sinónimas que não permitem alcançar a máxima clareza na distinção.
  • · Não considera adequado distinguir : prevenção em razão de perigos decorrentes de causas naturais e precaução em função de riscos provocadas por acções humanas, uma vez que nas sociedades pós-industrializadas, as lesões ambientais são o resultado de um concurso de causas em que não se afigura possível distinguir rigorosamente entre eles. O professor dá neste sentido, o exemplo das inundações, uma vez que sendo provocadas por um fenómeno tão natural como a chuva, a sua dimensão pode ser determinada ou agravada por acções dos homens que por exemplo, desviaram os leitos das ribeiras para construir habitações, ou alteraram o caudal dos rios, etc
  • · Também não considera adequada a distinção ,em razão do carácter actual ou futuro dos riscos, uma vez que uns e outros se encontram interligados
  • · Rejeita a recondução da ideia de precaução a um princípio “in dubio pró natura”
  • · O ónus da prova de que não vai haver nenhum risco, é manifestamente excessivo “ não só em virtude do “risco zero” em matéria ambiental ser uma realidade inatingível, como também pelo facto de a consagração de tal exigência representar um factor inibidor de qualquer fenómeno de mudança, susceptível de se virar mesmo contra a própria tutela ambiental.

Por todos os argumentos apontados, Vasco Pereira da Silva considera que, mais do que proceder à autonomização de uma “incerta precaução”, é “preferível adoptar um conteúdo amplo para o principio da prevenção, de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom-senso”.



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