domingo, 23 de maio de 2010

Do Deferimento Tácito nos casos de silêncio da Autoridade competente para o DIA (Crónica de uma morte anunciada)

A questão a admissibilidade ou não da figura do deferimento tácito quando a autoridade competente para emissão da DIA ( Decisão de Impacto ambiental) não emite nenhum parecer em tempo útil ( i.e, no prazo legalmente previsto) foi já muito debatida na doutrina, na legislação Comunitária e Nacional e até na jurisprudência do Tribunal Judicial das Comunidades Europeias, sendo que todas as três fontes de direito se inclinam para a não admissibilidade do deferimento tácito.
Analisemos cada “parte” desta triologia.
A Jurisprudência Comunitária, nomeadamente num Acórdão de 2001 do TJCE, em que este vem pronunciar-se pela incompatibilidade da autorização tácita com as exigências das “directivas visadas” ( referindo-se à Directiva 85/337) uma vez que os processos de avaliação de impacto ambiental antecedem a concessão de uma autorização.
E na realidade é no mínimo bizarra a previsão de um deferimentos tácito em caso de silêncio da entidade competente para a DIA num regime em que uma decisão desfavorável é sempre vinculativa. Ou seja, num processo de licenciamento ou autorização se houver uma DIA desfavorável a entidade competente para emissão da dita licença ou autorização encontra-se vinculada à DIA não podendo, nesses caso, licenciar ou autorizar a pretensão do particular.
A DIA é, diz-nos a doutrina, uma parecer conforme favorável para a entidade licenciadora competente para a autorização do projecto.
Em termos práticos a DIA funciona como um parecer cujo conteúdo é vinculativo, tendo, portanto, os actos subsequentes na cadeia do licenciamento ambiental de estar conformes com a DIA. Para dar uma ideia visual, forma-se uma espécie de dupla conforme, vinculada.
Este sistema, escravo da autorização tácita subverte totalmente os princípios e a própria ratio da avaliação do impacto ambiental. A avaliação de impacto ambiental não gera um simples parecer mas antes uma decisão jurídica, que se consubstancia num acto administrativo. Este acto é emitido com base em estudos que visam determinar ou prever quais os impactos de determinada actividade para o ambiente, tendo em vista uma gestão racional dos recursos e um desenvolvimento sustentável.
E considerando que um DIA favorável é “conditio sine qua non” para que haja licenciamento ambiental, ao ponto de se conceber um procedimento administrativo especial com a função de autonomizar a AIA, é paradoxal que se venha a posteriori entender que caso a entidade competente não se pronuncie no prazo legalmente previsto, o efeito seria o mesmo que ocorreria se houvesse um DIA favorável. Acresce aos factos que, nos casos em que tenha havido um deferimento tácito da DIA a administração não pode “ convidar” o particular a fazer alterações ao seu projecto com base na incompatibilidade com a protecção ambiental pois seria um “tu quoque”, ora a administração teve oportunidade de se pronunciar, propor alterações, ou até mesmo indeferir não o fazendo perde a oportunidade de o fazer, podendo apenas intervir em casos de incumprimento da lei, vg VLE.
Ora, esta é manifestamente uma opção legislativa muito infeliz que joga contra o espírito de todo o sistema jusambiental, designadamente, o Princípio da Prevenção – que impõe a obrigação de evitar possíveis lesões futuras no ambiente – e Princípio da Precaução – o qual através de uma inversão de ónus da prova, impede que qualquer actuação potencialmente lesiva do ambiente seja autorizada.
Passando para o elemento “legislação”. A legislação nacional parece estar em desacordo com a legislação comunitária. O Decreto-lei 69/2000 vem , no seu artigo 19º/1 dizer o seguinte: “ Considera-se que a DIA é favorável se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para autorização no prazo de 140 dias (...) ou 120 dias (...). A Directiva 85/337/CEE vem, por seu turno, exigir, no seu artigo 2º que “ (...) Os Estados-Membros tomem as disposições necessárias para que os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, antes da concessão da aprovação”.
Bom, parece-nos evidente que o Decreto-lei 69/2000 não prevê a mesma solução legal que a Directiva 85/337/CEE e, no entanto, o artigo 8º/ 4 impõe que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências sejam aplicáveis na ordem interna.
Quid iuris então se um DL. viola uma Directiva?

Eu diria que o art. 19º do DL. 69/200 padece de uma inconstitucionalidade material (indirecta) por violar um preceito constitucional, nomeadamente o art.8º/ 4 CRP que vem atribuir às normas emanadas das Instituições da UE senão um valor reforçado, pelo menos um valor de norma pressuposta que deve ser respeitada pelos Estados Membros. Nesta situação o legislador vem, inequivocamente dar acolhimento à tese ( anterior ao art. 19º) de que o artigo 108º/ 1 CPA aplica-se nos casos AIA ( avaliação de impacto ambiental).
O legislador chega a ir ainda mais longe, vejamos.
O art. 108º /1 CPA consagra a regra geral em matéria de deferimento tácito, e o deferimento tácito é, por seu turno, um instituto da Teoria Geral do Direito Administrativo, que estipula que o deferimento tácito nos casos de aprovação/ autorização. Este Instituto mais não é do que uma concretização do principio enunciado no artigo 218º do CC, é, no fundo, atribuir valor declarativo ao silêncio.
A questão reside, a priori, em saber qual será a ratio do art. 108º/1 ( que deu origem mais tarde ao art. 19º do DL. 69/200).
Ora sabemos que o art. 108º do CPA visa atribuir uma decisão favorável ao particular quando a administração nada diz, mas a ratio é que o deferimento tácito opere nos casos em que preexista um direito subjectivo na esfera do particular, vg. direito de propriedade, pelo que este apenas necessita de uma mera autorização para o exercer, livre de limitações. Assim, entendeu-se que pelo facto de a Administração apenas exercer uma tarefa de mero controlo do exercício do direito, não seria legítima a inviabilização do mesmo pela sua inércia.
Situação manifestamente diversa é aquela em que o particular vem solicitar o licenciamento / autorização de projectos susceptíveis de repercutir nefastamente no Ambiente, i.é, será que preexiste um direito na esfera do particular proponente da AIA?
Parece-nos que quando o particular submete o seu projecto a AIA não poderá ainda existir um direito nem expectativa jurídica antes da DIA já que a sujeição ao procedimento de Avaliação de impacto Ambiental constitui, na verdade, uma restrição aos direitos fundamentais do particular, nomeadamente ao seu direito de edificar (falando de prédios rústicos mas com licença de construção) e à sua iniciativa económica privada. Ora, para que haja lugar à restrição de direitos fundamentais, há que a “restrição” ter passado pelo crivo do principio da proporcionalidade e de outros critérios constitucionais de salvaguarda da não inconstitucionalidade das restrição aos direitos fundamentais da pessoa humana. A AIA tendo passado por esse crivo, por ser manifesto que o Direito ao Ambiente é um valor superior neste julgamento de interesses não faz sentido que depois se venha atribuir valor declarativo ao silêncio, quando antes, o legislador admitiu que a submissão de determinados projectos à AIA constitui não só uma salvaguarda do Direito ao ambiente ( gestão racional dos recursos e desenvolvimento sustentável) como constituirá também uma questão de saúde pública.
Neste sentido, Maria Ana Barradas e Figueiredo Dias que vêm considerar estes casos como sendo casos de “autorizações-licenças”, o que se encontra condicionado não é o exercício do direito ( o ius aedificandi ou o direito de iniciativa económica privada) mas antes o próprio direito.
Com base neste raciocínio Portugal não só viola a Directiva Comunitária, isso é evidente, como defrauda toda a lógica do procedimento de AIA pondo em causa do direito a um Ambiente “humano, sadio e ecologicamente equilibrado” e princípios como precaução e prevenção.
À laia de conclusão, apraz dizer que consideramos o artigo 19º para alem de inconstitucional por violar:

1º) A Directiva 85/337 CEE, consubstanciando assim uma violação do art. 8º da CRP;

2º) O Principio da Prevenção e da Precaução - art. 66ª/2 a)

3º) O Principio do desenvolvimento Sustentável – art. 66º/2

4º) O principio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis – art. 66º/2 d)

Esta opção legislativa viola ainda princípios gerais do Direito Administrativo tais como o Principio da prossecução do interesse publico já que um deferimento tácito por servir como estratagema para desresponsabilizar a Administração Pública, potenciando os casos de corrupção.

Assim, e agora sim, concluindo, a solução seria a do indeferimento tácito nos casos de silêncio da Administração - art. 108º CPA, in dubio pro natura - ambiente em latim significa " o que rodeia".

Inês Ferreira nº 16648, subturm 6

Sem comentários:

Enviar um comentário