segunda-feira, 24 de maio de 2010

Das Fontes do Direito do Ambiente

As Fontes de Direito do Ambiente

I – Exposição de Motivos:

Com o presente “post” pretendo fazer uma breve abordagem, mas dentro do possível, completa, sobre as diferentes fontes de Direito do Ambiente.

Apesar de se tratar de um tema com um conteúdo mais teórico – dogmático do que outros que aqui têm sido propostos e postados, penso que ainda assim, este assunto merece alguma atenção, dadas as características particulares deste ramo do Direito. Acrescente-se que ficam assim preparadas as bases para desenvolvimento do tema em futura oral de melhoria.

II – A “Selva” de Fontes de Direito do Ambiente:

Provavelmente devido à sua “tenra idade”, o Direito do Ambiente encontra-se legislado sob as mais diversas formas, o que por vezes gera problema de compatibilização entre as múltiplas fontes deste ramo do Direito.

De entre as principais fontes de Direito do Ambiente destacamos:

1. Em primeiro lugar e à revelia do que VASCO PEREIRA DA SILVA (i) faz nas suas “Lições de Direito do Ambiente” (uma vez que o autor refere as fontes internacionais e comunitárias antes da lei fundamental), aparece a Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) que nos seus artigos 9.º; alíneas d) e e) diz que são tarefas do Estado: “d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;” e ”e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;”.

Por sua vez, o artigo 66.º da CRP estabelece o direito fundamental ao Ambiente, explanando minuciosamente todas as suas vertentes, como podemos comprovar:
1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de ero-são;
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classifi-car e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princí-pio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;
g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;
h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida
.”

Segundo VASCO PEREIRA DA SILVA, da conjugação deste dois artigos retiramos uma verdadeira Constituição Ecológica. Já CARLA AMADO GOMES (ii) critica bastante a letra que o legislador deu ao artigo 66.º da CRP, dada a excessiva pormenoriza-ção que lhe foi concedida, inapropriada para um texto constitucional onde apenas devem ser explanados os princípios gerais.

2. No domínio do Direito Internacional, alguns autores reiteram que as preocupações de índole ambiental levaram já à formação de um princípio consuetudinário de preservação da Natureza.

No Direito Internacional devemos destacar dois tipos diferentes de textos ambientais, a saber:

a) As Convenções Multilaterais – emitidas geralmente no quadro de organizações internacionais, como por exemplo a ONU. Destacamos nesta área as Convenções-quadro da Conferência do Rio de Janeiro, de 1992, relacionadas com as mudanças climatéricas e com a biodiversidade.
b) Os Textos Bilaterais – que regulam geralmente as relações entre países vizi-nhos, promovendo a protecção ambiental nas regiões fronteiriças. São exem-plo destes textos os tratados celebrados entre Portugal e Espanha relativos à gestão dos recursos hídricos ou entre o Brasil e a Colômbia para preservação da Floresta Amazónica.

Para aferirmos da posição hierárquica que as fontes internacionais têm no Orde-namento Jurídico português é relevante o artigo 8.º; n.º 1 e 2 da CRP. Segundo o artigo 8.º; n.º 1 da CRP, as normas e princípios de Direito Internacional geral ou comum entram directamente no Ordenamento Jurídico português. Por sua vez, o n.º 2 do dito artigo acrescenta que “as normas constantes de convenções interna-cionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Portu-guês”. Daqui retiramos que, quanto às normas constantes de convenções internacionais, vigora um principio de recepção após ratificação ou aprovação e publicação oficial – aquilo a que alguns autores chamam de recepção semi-plena (CORREIA BAPTISTA).

Daqui resulta que, enquanto que os princípios e normas de Direito Internacional ocupam uma posição cimeira na hierarquia das fontes do Direito, já as normas constantes de tratados e convenções internacionais têm uma valor supra-legal mas infraconstitucional, já que, para além do que já foi dito, também estão sujeitas a fiscalização da constitucionalidade (artigos 277.º e ss. da CRP).

3. Na União Europeia, a matéria ambiental encontra-se regulada nos Tratados constitutivos das Comunidades Europeias desde o Acto Único de 1987, uma vez que nos textos originais dos tratados não vinham previstas normas relativas à protecção ambiental.

Ainda assim, desde pelo menos a década de 70 que os órgãos que emanam legislação comunitária têm vindo regularmente a lançar Regulamento, Directivas, Decisões, Recomendações e Resoluções em matéria ambiental. São prova disso toda a legislação produzida no âmbito das politicas comuns agrícolas e de pescas, bem como a Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, que criou o regime europeu de avaliação de impacte ambiental.

Devido à quantidade de legislação comunitária na área do ambiente, podemos dizer que existe actualmente um verdadeiro Direito Europeu do Ambiente, cuja importância decorre da existência de mecanismos jurisdicionais destinados à sua efectivação, e do facto de as normas comunitárias gozarem de aplicabilidade directa, de acordo com o artigo 8.º; n.º 3 da CRP.

4. No âmbito da legislação interna ordinária, são múltiplas as fontes ambientais, que se cristalizam nas mais diversas modalidades: Leis de Bases (ex. Lei de Bases do Ambiente); Leis (ex. Lei n.º 35/98); Decretos-lei (ex. Decreto-lei n.º 285/2007, que estabelece o regime dos projectos PIN) e os Decretos Legislativos Regionais.

É de referir que foi através de legislação ordinária que surgiram as primeiras inicia-tivas de protecção ambiental no nosso país numa época em que ainda ninguém “sonhava” com Direito do Ambiente. São exemplo disso Cartas Régias do 4ª Dinastia Portuguesa, pioneiras neste âmbito. Uma carta régia de D. José I, de Outubro de 1770, obrigava todos os lavradores da ilha de Porto Santo a plantarem árvores nos limites das suas terras, bem como nos ribeiros. Na ilha era tal a falta de vegetação que pouco tempo depois se decretou ser expressamente proibido cortar árvores, até mesmo as já secas.

5. Os Planos e outros regulamentos administrativos são também uma importante fonte neste ramo do Direito.

6. Os actos e contratos administrativos também têm bastante relevo na aplicação do Direito no caso concreto, uma vez que são cada vez mais as actividades económi-cas que devem ser sujeitas a prévios procedimentos de aprovação e certificação ambiental, como acontece no licenciamento de construção, na exploração de determinadas zonas sujeitas a especiais cuidados em matéria ambiental, etc.


III – Sugestões para a criação do “mapa do tesouro” ambiental:

Como seria previsível, perante tamanha avalanche de fontes de Direito Ambiental, é inevitável o surgimento de dificuldades de harmonização e de sistematização entre todos os instrumentos legislativos disponíveis.

Deste modo, ressurge a velha questão da necessidade, ou não, de criação de um Código do Ambiente, para solucionar estes problemas.

Diverge a doutrina quanto à necessidade de criação de um Código do Ambiente:

Os defensores desta medida baseiam tal decisão no reforço da certeza e segurança jurídica e, consequentemente, na facilitação da tarefa de aplicação dos direitos dos particula-res em matéria ambiental. A implementação de um Código do Ambiente faria também com que o direito se aproxima-se dos leigos, uma vez que, codificado, seria de muito mais fácil acesso.

Os opositores da codificação ambiental contrapõem com argumentos de rigidez e de estagnação do direito.

VASCO PEREIRA DA SILVA assume uma posição claramente a favor da codificação ambiental, e estabelece uma diferenciação entre:

• Codificação da parte geral do Direito do Ambiente – que engloba as questões que interessam de modo idêntico a todos os domínios do Direito do Ambiente, na lógica de HOPPE, BECKMANN e KAUCH.
• Codificação das partes especiais do Direito do Ambiente – estabelecendo designada-mente os regimes jurídicos da agua, do ar, do solo, etc.

Acrescenta VASCO PEREIRA DA SILVA que numa primeira fase seria mais fácil começar pela codificação das partes especiais.

_______________

(i) VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, 2ª reimpressão, Almedina, 2005, pp. 36 – 44.

(ii) CARLA AMADO GOMES, Direito Administrativo do Ambiente, in PAULO OTERO / PEDRO GONÇALVES, Tratado de Direito Administrativo Especial, Almedina, 2009, pp. 170 – 174.


André Canelas
N.º 16503 - Subturma 5


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