
Dano Ambiental
O despertar das preocupações ambientais e as normas jurídicas que tutelam o novo bem jurídico, que constitui também um direito fundamental, fizeram surgir disposições legais que se ocupam da violação das normas destinadas à tutela do ambiente, levando ao aparecimento da categoria do “ilícito ambiental”.
Assim, de acordo com o Professor Gomes Canotilho, há dano ambiental sempre que uma determinada acção humana viole as disposições jurídicas destinadas a proteger o direito subjectivo ao ambiente dos indivíduos, repercutindo-se em consequências danosas para o ambiente.
Mas, existem mais definições possíveis de dano ambiental, tais como:
1- Segundo Postiglione, o dano ambiental é “o prejuízo trazido às pessoas, aos animais, às plantas e aos outros recursos naturais (água, ar e solo) e às coisas (…) que consiste numa ofensa do direito do ambiente”, traduzindo-se também numa “violação em concreto dos ‘standards’ de aceitabilidade estabelecidos pelo legislador”.
2- Já para Freitas do Amaral, que recorre à noção de ofensa ecológica, é “todo o acto ou facto humano, culposo ou não, que tenha como resultado a produção de um dano nos componentes ambientais protegidos por lei”, identificando na Lei de Bases do Ambiente diversos tipos de ofensas ecológicas, nomeadamente: a poluição atmosférica, a perturbação dos níveis de luminosidade, a poluição hídrica, a danificação do solo ou subsolo, a danificação da flora, a ofensa da paisagem, a poluição sonora e a poluição química. Por fim, é ainda de salientar que, segundo este autor ao acto ilícito praticado corresponderá uma tripla ilicitude: penal, contra-ordenacional e civil.
Posto isto, logramos observar que, os problemas levantados na regulação do direito ambiental são múltiplos e de difícil regulação. Não obstante o facto de, existir consenso no que diz respeito aos mecanismos tradicionais da responsabilidade civil na regulação do tema do dano ambiental (alínea h) do artigo 3º da Lei de Bases do Ambiente – necessidade de assunção pelos agentes das consequências, para terceiros, da sua acção, directa ou indirecta, sobre os recursos naturais), tal como relativamente à inclusão nos “princípios fundamentais do Direito do Ambiente” do princípio da “responsabilização”, as dificuldades não são totalmente ultrapassadas.
No que concerne ao ressarcimento do dano ambiental, o princípio da responsabilização ajuda apenas a resolver a questão do lado do autor do dano, reclamando a assunção pelos agentes poluidores das consequências da sua actividade poluente. Relativamente aos mecanismos da responsabilidade, verificamos insuficiências evidentes, designadamente nos casos em que os danos ambientais provêm de “emissores” indeterminados, projectando-se em “receptores”, igualmente, indeterminados.
Concomitantemente, o principal problema no âmbito do dano ambiental prende-se com a determinação dos sujeitos titulares do direito de indemnização decorrente de um acto ilícito ambiental: Será que só o Estado deve ser seu titular ou os cidadãos individualmente considerados poderão gozar da possibilidade de efectivar um tal direito?
Assim sendo, se defendermos que o ambiente é um bem jurídico unitário respeitante a toda a comunidade nacional, então o titular do direito ao ressarcimento pelos danos causados ao bem ambiente deverá ser o ente representativo dessa comunidade, isto é, o Estado. Se tomarmos em consideração o ambiente como direito subjectivo dos indivíduos, terá que admitir-se que estes têm direito a ser indemnizados sempre que sofram ofensas no seu direito a desfrutar de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Como curiosidade, é de salientar que a doutrina italiana foi pioneira no reconhecimento do “bem ambiental”, configurando o dano do ambiente como dano público. Maddalena, é um autor que segue esta compreensão ao tratar a individualização do bem ambiental como bem jurídico, concluindo que ele é “um bem em propriedade colectiva (…) da comunidade nacional”, seguindo-se que quando ele é violado se dá um dano colectivo ou um dano público.
Em Portugal, também os indivíduos, uma vez que gozam de uma posição jurídica subjectiva tutelada como direito fundamental pela Constituição, devem ter a possibilidade de beneficiar dos mecanismos de responsabilidade por danos ao ambiente, quer contra outros cidadãos, quer contra a Administração pública, e de serem titulares do respectivo direito de indemnização.
E foi este o caminho seguido pelo legislador português ao consagrar no nº4 do artigo 40º da Lei de Bases do Ambiente que “os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir (…) a respectiva indemnização”.
Concluindo, a regulação da responsabilidade por danos ambientais em termos de atribuir às autoridades públicas o monopólio do respectivo direito de indemnização, além de suscitar dificuldades evidentes, nomeadamente, a de saber se a legitimidade indemnizatória pertenceria exclusivamente ao Estado ou também a outras pessoas colectivas públicas – autarquias locais, deixaria impunes muitos atentados ao ambiente causados pela Administração Pública. Logo, torna-se necessário consagrar ao lado da legitimidade do Estado e demais entes da Administração Pública, a possibilidade de os cidadãos, individualmente considerados ou associados, serem também titulares do direito de acção e indemnização por danos causados ao ambiente.
Em suma, esta concepção leva a uma tutela mais ampla e eficaz deste novo bem jurídico que a ordem jurídica deve estar interessada em proteger.
Dano Ecológico
“Na sua obra Tous les hommes sont mortels, Simone de Beauvoir confronta o leitor com o insustentável peso da vida eterna. O instituto da responsabilidade por dano ecológico evoca dilema semelhante.” – Carla Amado Gomes. Sucintamente, o que se pretende é ressarcir a geração presente pela degradação do estado de um determinado componente ambiental e proporcionar à geração futura idêntico grau de fruição, repondo, sempre que possível, o estado anterior à ocorrência do facto lesivo.
A noção de dano ecológico, isto é, o dano causado à integridade de um bem ambiental natural, não se impôs imediatamente após a “descoberta” do Direito do Ambiente. Segundo a Professora Carla Amado Gomes, a principal razão axiológica da resistência à noção de dano ecológico prende-se com a lógica predominantemente antropocêntrica que emergiu da Conferência do Rio, onde se declarou os seres humanos como “centro” das preocupações ambientais. Apesar de, em seguimento da Declaração de Estocolmo (1972) e do direito internacional geral, a Declaração do Rio ter consagrado o princípio da responsabilização por danos ambientais.
Posto isto, logramos observar que o nosso ordenamento jurídico não autonomizava, até ao surgimento do DL 147/2008, de 29 de Julho, o dano ecológico do dano ambiental. Sendo assim, esta lacuna derivava de um concurso de equívocos, uma vez que a Constituição não distingue as duas realidades, de forma clara, no artigo 52º/3; a Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril) sustenta uma perspectiva individualista ou grupal do dano ambiental (artigo 40º/4 e 5); e a Lei 83/95, de 31 de Agosto (Lei da participação procedimental e da acção popular) ignora a diferença entre interesses individuais homogéneos e interesses de fruição de bens colectivos, reduzindo o regime de indemnização aos primeiros (artigo 22º/2). Bem como, do facto de este só poder ser considerado caso resultasse de uma acção lesiva de interesses individuais, cujo titular movesse uma acção inibitória contra o lesante, a qual pusesse fim à produção da emissão prejudicial para pessoas e bens naturais. De salientar que, o dano a ressarcir seria sempre o individual, não o colectivo, e a tutela era meramente reflexa que só pontualmente visaria a reconstituição do statu quo ante, ou similar, ou ainda a fixação de medidas compensatórias.
É, então, com a entrada em vigor do DL 147/2008 (RPRDE) que se afirma a diferença entre dano pessoal/patrimonial e dano ecológico; se clarifica a legitimidade para reclamar a sua reparação; se fixa os critérios de avaliação do dano; e que se indica as formas da sua reparação.
Na definição do artigo 11º/1 d) do RPRDE, dano ecológico é toda “a alteração adversa mensurável de um recurso natural ou a deterioração mensurável do serviço de um recurso natural que ocorram directa ou indirectamente”. Danos ecológicos, para efeitos do RPRDE (artigo 11º), são todos os danos causados à água; ao solo; e às espécies e habitats protegidos pelo ordenamento nacional.
O RPRDE vem consolidar a ideia de que a protecção do ambiente impõe deveres de defesa e promoção da qualidade dos bens ambientais aos operadores de actividades que possam ter sobre estes efeitos significativos. Porque o ambiente é um bem público e frágil, as actividades que o possam afectar mais significativamente estão sujeitas a um princípio de proibição sob reserva de permissão, que só se ultrapassa através da concessão das autorizações necessárias à concretização de tais deveres.
Em suma, a autonomização do dano ecológico constitui um passo significativo no sentido da afirmação do Direito do Ambiente enquanto ramo dedicado, não à tutela dos bens pessoais e patrimoniais, mas sim à defesa e promoção de bens naturais. Tal como a perspectiva ampla de responsabilidade adoptada pelo RPRDE, uma vez que concretiza e reforça a vertente do dever de protecção do ambiente, consagrada no artigo 66º/1/2º parte, da CRP.
Bibliografia:
Canotilho, Gomes (1998). “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta.
Amado Gomes, Carla e Antunes, Tiago (2009). “O que há de novo no Direito do Ambiente? – Actas das Jornadas de Direito do Ambiente”, AAFDL.
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