Breve descrição do sistema de Comércio de licenças de emissão de Carbono
No âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas, sobre a Mudança Climática, adoptada em 1992, o Protocolo de Quioto, discutido e negociado, no Japão, em 1997, entrou em vigor em 16 de Fevereiro de 2005. Tinha como objectivo conseguir de forma concertada entre os seus subscritores a emissão dos seis gases principalmente responsáveis pelo efeito de estufa: o CO2 (gás carbónico ou dióxido de carbono), o N20 (óxido nitroso), o CH4 (metano), e outros três gases fluorados (HFC, PFC, SF6).
Repare-se que a China, a Índia e o Brasil, três dos principais poluidores mundiais, não estão obrigados a cumprir o Protocolo de Quioto pelo seu estatuto de países em vias de desenvolvimento. Juntam-se desta forma aos Estados Unidos e à Austrália, os dois únicos países industrializados que se recusaram a assinar o protocolo.
No âmbito deste Protocolo foram desenvolvidos três mecanismos com o objectivo de permitirem alcançar as metas estabelecidas de uma forma “economicamente” eficiente: o Comércio de Emissões (CE), a Implementação Conjunta (IC) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
O Regime de Comércio internacional de licenças de emissão de CO2, objecto de estudo em causa, é um sistema de "cap-and-trade”, ou seja, é um sistema que estabelece um nível geral de emissões permitidas, mas, dentro desse limite, permite aos participantes no próprio sistema comprar e vender licenças de emissão conforme as suas necessidades.
Assim, uma licença de emissão dá ao seu detentor o direito de emitir uma tonelada de CO2. Como actualmente as licenças são atribuídas aos países com base nas actuais emissões de gases com efeito estufa, na prática é a limitação do número total de licenças de emissão que cria a escassez no mercado tornando essas licenças de emissão numa moeda de troca comum na qual se baseia todo o sistema.
No final de cada ano, as empresas têm a obrigação de entregar uma quantidade de licenças que corresponda às suas emissões. As empresas eficientes, cujas emissões se situam abaixo da quantidade de licenças atribuídas, podem vender as suas licenças excedentárias.
As empresas com dificuldades em manter as suas emissões nos níveis correspondentes às licenças que lhe foram atribuídas, podem, desta forma, optar por tomar medidas que visam reduzir as suas próprias emissões (como por exemplo, utilizar fontes de energia com menos emissões de carbono ou investir numa tecnologia mais eficiente). Em alternativa, na linha sugerida pelo Professor Carlos Pina, podem comprar no mercado de licenças a quantidade em falta, optar por uma combinação de ambas as opções, ou ainda pagar a sanção pecuniária correspondente à quantidade de toneladas de CO2 emitidas sem licença. Tudo depende da análise de custos por parte do agente económico, uma vez que as emissões deverão ser sempre reduzidas da forma que lhe for mais favorável.
Na União Europeia a 1 de Janeiro de 2005 nasce o EU ETS (European Union Emission Trading Scheme) que lança as bases do CELE (Comércio Europeu de Licenças de Emissão) aplicável aos 27 Estados Membros da União Europeia e aos restantes três membros do Espaço Económico Europeu (Noruega, Islândia e Liechtenstein).
Assim nasce o primeiro regime internacional de comércio para as emissões de CO2, que abrange um universo de mais de 12 000 empresas dos sectores energético e industrial, que são as responsáveis, no seu conjunto, por cerca de metade das emissões de CO2 e de 40 % das emissões totais de gases de efeito de estufa da UE.
Na prática, o primeiro período de comércio de licenças funcionou durante três anos, de 2005 até ao final de 2007. O segundo período teve início a 1 de Janeiro de 2008 e terá a duração de cinco anos, terminando no final de 2012.
Como nos lembra a Professora Carla Amado Gomes no seu manual, o sistema de licenças não é um mecanismo voluntário, mas antes “um regime obrigatório ou vinculativo de protecção do ambiente”. Desta forma, cada Estado membro elaborou, em relação a cada período do comércio de emissões, Planos Nacionais de Atribuição de Licenças de Emissão (PNALE), onde se fixam os níveis totais de emissões no comércio de licenças de emissão e o número de licenças de emissão atribuído a cada empresa dentro do seu território.
Em Portugal, a estratégia para o cumprimento dos valores propostos no Protocolo de Quioto está incluído no Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) e no Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão (PNALE).
O PNAC estabelece as medidas para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, como a produção de electricidade utilizando energias renováveis, a alteração do imposto automóvel em função de emissões de CO2, a redução dos incêndios florestais e a eficácia da exploração e gestão florestal.
No PNALE, sujeito a consulta pública e a aprovação por parte da Comissão Europeia, determina qual a quantidade de licenças a atribuir a cada indústria e a cada empresa.
Repare-se que a problemática do uso de instrumentos de mercado no combate à poluição remonta aquando do desenvolvimento da Teoria do Bem-Estar de Pigou no início do século XX.
A classificação da "Poluição" como uma de externalidade negativa feita por este autor e o seu estudo, foi o passo crucial para o surgimento de uma nova perspectiva nos métodos de combate à poluição
Seguiram-se a Pigou, Baumol, e Coase entre outros. Da criação de impostos que internalizassem os custos desta falha de mercado à criação de um mercado de “direitos de utilização do ambiente”, muitas foram as soluções apontadas para ajudar a reduzir a poluição recorrendo a mecanismos económicos. Embora seja extremamente aliciante, não nos cabe aqui debater essas soluções, infelizmente somos obrigados a remeter esse estudo para uma ocasião futura.
Como já se disse, o método actualmente usado para a atribuição de licenças tem por base as actuais emissões de gases de efeito de estufa. Alguma doutrina discorda deste método invocando a violação do princípio da igualdade nessa distribuição, uma vez que na prática ela acaba por atribuir mais licenças àqueles que poluem mais.
Assim foi proposto um mecanismo de distribuição per capita, ou seja em função do número de habitantes, beneficiando os países com maior densidade populacional que no caso de não esgotarem as suas licenças, podem vendê-las a países com menor densidade populacional. Já países como o Brasil, por exemplo, insistem que o sistema devia premiar aqueles de quem depende a “sustentabilidade ambiental” do Planeta.
Se é verdade que o actual sistema pode levar um país, em vias de desenvolvimento, a que tenha maior dificuldade em adquirir licenças caso necessite, por outro lado, pode contribuir para que o mesmo inicie o seu percurso de desenvolvimento já com a preocupação de procurar as técnicas mais eficientes anti-poluição de forma a tornar o seu crescimento mais sustentável e eficiente, com possibilidade de lucro ao vender as licenças.
A segunda tese é igualmente contestável, pois uma distribuição feita unicamente com base num índice populacional esquece-se das necessidades próprias da economia de cada país. Embora aparentemente possa parecer um sistema mais justo, na prática, talvez não seja.
Repare-se que o objectivo deste método de reduzir a poluição não é taxar as empresas, e consequentemente os países mais poluidores, mas leva-los a adoptar medidas que reduzam a poluição que produzem, forçados por um critério de eficiência económica. O exagero e a falta de bom senso na aplicação deste sistema só contribuem para que países como o Estados Unidos não assinem o Protocolo de Quioto com o risco de provocarem um dano irreversível à sua economia.
Por fim, não nos parece razoável argumentar contra o sistema em causa com base no facto de eventualmente se estar a criar um “direito a poluir”.
O Comércio de licenças de emissão de carbono, apesar de não ser um sistema perfeito, claramente ajuda a fomentar a sustentabilidade do meio ambiente. Assim, de que serve não consagrar um “direito a poluir” com uma contrapartida benéfica para o ambiente, através do incentivo à redução das emissões poluentes, se em alternativa já está consagrado a livre arbitrariedade dos países em poluir consoante tal contribua ao seu “desenvolvimento económico sustentável” independentemente dos danos que esse desenvolvimento venha a causar ao ambiente.
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