terça-feira, 20 de abril de 2010

1ª TAREFA: PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO

Semanticamente, apesar de tangentes, poderão ser apontadas variações entre os conceitos de precaução e prevenção, apesar de não ser uma tarefa que prime pela clareza. Precaução significa cautela antecipada; medida tomada para evitar ou atenuar um mal ou algo que se receia; circunspecção; prudência. E prevenção consiste no acto ou efeito de prevenir; aviso prévio; opinião antecipada; premeditação.

Um dos marcos que contribuiu para a afirmação do direito do ambiente como disciplina jurídica autónoma tem a ver com a autonomização dos princípios do direito do ambiente, princípios gerais, fundamentais ou estruturantes do direito do ambiente, enquanto princípios orientadores do direito e política do ambiente e que vinculam as entidades públicas e privadas, que serão responsáveis pela prossecução dessa política.

Estes princípios têm vindo a ser desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência e já possuem alguma consagração legislativa. Foquemo-nos nos Princípios da Precaução e da Prevenção em concreto, já que são diversas as posições na doutrina relativamente aos mesmos.

Quanto ao Professor Vasco Pereira da Silva, doravante VPS, este é da opinião de que seria mais vantajosa a construção de uma noção ampla de prevenção que englobasse a noção de precaução, visto que deste modo, o jurista do ambiente possuiria um meio adequado para resolver os problemas com que é confrontado e seria esta via suficiente e mais eficaz do que a autonomização do princípio da precaução, que como afirma poderia ter consequências manifestamente excessivas e nada razoáveis do ponto de vista lógico e jurídico.

Já o Professor Joaquim Gomes Canotilho, doravante GC, aponta semelhanças e diferenças, a seu ver relevantes, entre o alcance dos respectivos princípios, que poderiam justificar uma autonomização dos princípios. Apesar disto, o Professor GC apresenta-nos um princípio da prevenção com um conteúdo bastante impreciso. Numa tentativa de clarificar a sua definição, o Professor GC descodifica o seu alcance jurídico: prevenir danos e agressões ambientais em vez de as remediar. Deste modo, no que diz respeito à política do ambiente, esta deve ser definida de modo a evitar agressões ambientais, sendo imperativa a adopção de medidas preventivas e antecipatórias, substituindo as medidas repressivas e mediadoras. Por outro lado, o controlo da poluição deveria proceder-se na fonte, na origem, espacial e temporal, através de diversos instrumentos, como por exemplo a avaliação de impacto ambiental, o estabelecimento de valores limite, testes de qualidade. Quanto à política do ambiente, o Professor GC é da opinião de que esta deveria ser exercida de modo a obrigar o poluidor a corrigir e a recuperar o ambiente, concretizando-se este dever através de corolários ou subprincípios como o ‘produtor-pagador’, ‘poluidor-pagador’.

Relativamente ao princípio da precaução, o Professor GC alerta para o facto de este ser muitas vezes associados ao princípio da prevenção, ressalvando o facto de este, ao longo dos anos, ter vindo a ganhar alguma autonomia nas legislações e doutrina mais modernas. O princípio da precaução pressupõe que o ambiente prevalece sobre o agente poluidor sempre que haja dúvidas sobre a perigosidade ambiental de uma actividade e que as emissões poluentes deverão ser reduzidas mesmo que não haja uma prova científica inequívoca sobre o nexo de causalidade e os seus efeitos.

Quanto à opinião do Professor José E Figueiredo Dias, doravante FD, este também dos apresenta uma possível autonomização do princípio da precaução. FD, apresenta-nos o princípio da prevenção como um princípio cujo relevo é muito especial tendo em conta a natureza muito própria dos bens que se pretendem tutelar. Deste modo, o Professor considera que o mais importante na regulamentação jurídica dos comportamentos susceptíveis de produzir efeitos sobre o ambiente, é prevenir danos e agressões ambientais em vez de uma tentativa de as remediar. Mais do que desenvolver meios de reacção aos danos ambientais interessa que ‘’as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente’’ sejam ‘’consideradas de forma antecipativa’’, de modo a reduzir ou mesmo eliminar as próprias causas de alteração do ambiente, tal como dispõe o artigo 3º al. A) da LBA. Será de extrema importância, referir ainda o artigo 66º nº2 da CRP, que acrescenta às incumbências do Estado a prevenção e o controlo da poluição e dos seus efeitos, bem como a sua previsão a nível comunitário.

No que diz respeito ao princípio da precaução, o Professor FD, define-o como o princípio mais recente do elenco dos princípios de direito do ambiente, admitindo, no entanto, a existência de dúvidas sobre os seu exacto conteúdo, admitindo igualmente, que não se poderá considerar ainda um princípio acolhido na legislação e na prática, uma vez que o seu campo de incidência é limitado pelo direito internacional, onde já foi consagrado.

Do seu campo de aplicação farão parte os casos de dúvida, o que implica que o ambiente deva ter a seu favor o benefício da dúvida sempre que haja incerteza e falta de provas científicas suficientes para demonstrar a inocuidade ambiental e um certo comportamento. Daí que se afirme que a incerteza científica fez a sua entrada no direito por via deste princípio, que permite uma base de actuação sempre que a ciência não possa dar uma resposta clara e inequívoca.

A mais importante consequência prática, apontada pelo Professor FD, é a transferência do ónus da prova do nexo causal entre a fonte poluidora e o dano ambiental do legislador para o poluidor potencial, na medida, em que é este que tem de provar que as suas actividades não produzem impactos ambientais nocivos. No caso de este não o conseguir provar, a decisão terá de ser tomada contra ele, seja no sentido de o impedir de levar a cabo determinada acção, de o fazer suspender ou cessar o exercício de uma actividade ou ainda de o obrigar a tomar medidas para recuperar o componente ambiental lesado ou a ressarcir os lesados nos seus direitos ao ambiente. Ressalve-se que não há necessidade de uma prova científica inequívoca sobre o nexo de causalidade entre o comportamento proibido e o dano ambiental.

Nas Jornadas do Ambiente, realizadas nos dias 9 e 10 de Março de 2010, na FDUL, o Dr. António Leitão Amaro, um dos oradores convidados, apontou o acréscimo do princípio da precaução ao rol de princípios do direito do ambiente como uma das razões que tornariam cada vez mais urgente uma revisão da Lei Bases do Ambiente, Lei nº 18/87 de 17 de Abril.

Para além de terem sido referidas muitas outros motivos relevante, foi referida esta questão em particular e justificada pelo facto de este acréscimo ser importante, na medida em que, não deveria ser necessário haver conhecimento concreto e preciso para que fosse accionada a protecção do ambiente, ou seja, não teria que haver certeza de que uma determinada actividade pudesse gerar um dano ambiental, visto que em caso de dúvida, sem qualquer tipo de certeza, o ambiente deveria ser resguardado e protegido.

É um principio, que se autonomizado, permitiria manter uma politica de prevenção do risco e que apesar de caber no princípio da prevenção, se trata de uma sua afirmação particular, daí que faça sentido autonomizá-lo.

Só o futuro nos dirá a medida em que este princípio do direito do ambiente poderá ou não vir a ser acolhido nas ordens jurídicas internas. O seu campo de aplicação ainda se encontra relativamente circunscrito, havendo sinais que nos levam a calcular que mais cedo ou mais tarde este princípio poderá vir a ganhar importância, abrindo as portas ao mundo do direito à adopção de medidas de protecção contra riscos desconhecidos. Posto isto, penso que no meio de posições tão divergentes e em caso de dúvida, fará sentido adoptar uma posição mais intermédia, preferindo uma junção ou acréscimo ao princípio da prevenção e não uma autonomização do princípio da precaução, tendo em conta as consequências pouco razoáveis e excessivas que este poderia trazer. A consequência que a adopção deste princípio poderia trazer prende-se com o facto de mesmo não havendo uma certeza científica que provasse o nexo causal entre um comportamento proibido e um dano, o ambiente teria que ser sempre protegido. Podendo esta incerteza levar à atribuição de sanções injustas, excessivas e tudo menos razoáveis à fonte poluidora.

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