terça-feira, 18 de maio de 2010

Tarefa n.º 3 - De que falamos quando falamos de Ambiente?

Se a vontade de dominar a Natureza é tão antiga quanto o próprio Homem, não se pode negar que a sua protecção também remonta aos tempos mais longínquos. Os agricultores mais antigos deixavam a terra em pousio para que esta se pudesse fortalecer, muitos povos tinham na "Mãe Natureza" uma divindade e mesmo nas religiões monoteístas, como o Judaísmo, o Cristianismo ou o Islamismo, não são raras as referências nas escrituras ao dever de protecção que o homem tem sobre todas as obras de Deus. Talvez o primeiro e mais notável ecologista tenha sido São Francisco de Assis que, na sua inserção cosmológica do homem na Natureza enquanto parte da criação divina, sente a necessidade de chamar o lobo de "irmão lobo", a andorinha de "irmã andorinha", etc.

Mas, foi apenas nos anos 60 que a protecção do Ambiente foi catapultada para a ribalta da discussão política, logo, também para o Direito. A questão ambiental foi, assim, associada, se não contemporânea, a outros fenómenos de ordem política, social e cultural, nomeadamente o movimento de Maio de 68 e a lógica radical da revolução "hippie", cuja doutrina assentava primordialmente no pacifismo e na não-violência. De uma visão puramente antropocêntrica do Direito, tem-se passado para uma perspectiva mais abrangente que inclui o dever de preservação do meio ambiente e a consciência dos limites do crescimento económico e da esgotabilidade dos recursos naturais. Assiste-se, actualmente, a um extraordinário desenvolvimento das ciências e das políticas ambientais e à proliferação de leis nessa matéria, o que contribui para a difusão de uma nova consciência ecológica.

Posto isto, cabe analisar o preceito constitucional que consagra o direito ao ambiente como direito fundamental - artigo 66º. Cremos, na esteira da Professora Carla Amado Gomes, que esta disposição configura uma autêntica "obesidade normativa", juntando na mesma panóplia de direitos-deveres tanto questões de ambiente e qualidade de vida como incumbências urbanísticas e de ordenamento do território. O facto de as decisões em matéria de urbanismo possuírem consequências ecológicas não justifica a não-autonomização das questões ao nível constitucional. A primeira dimensão (nº1, e art.9º, d) e e)), dita objectiva, é essencialmente política/pública, consistindo na necessidade de criação de políticas ambientais e configurando, em geral, os problemas que o Direito procura resolver. A segunda vertente (nº2), dita subjectiva, é, no entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva, a efectivação da atribuição de um direito do homem, de um direito fundamental análogo a um direito de liberdade. Opinião discordante tem a Professora Carla Amado Gomes, defensora da não-existência de um "direito ao ambiente", mas sim de um interesse de facto. Alega esta ilustre Professora que o que está aqui em causa é uma "mentira piedosa da Constituição", uma vez que soa muito melhor ao intérprete-aplicador o facto de "ter um direito a" do que "ter um interesse em" ou, pior, "ter o dever de". Não há nenhum direito a uma parcela de ar com uma determinada qualidade, havendo antes um interesse na sua protecção. O direito a defender será, por exemplo, o direito à saúde. Neste sentido, defende que a dimensão em causa é, antes, uma dimensão pretensiva ou procedimental, que se concretiza no acesso à informação e no direito de participação e de acesso à justiça.

Com este enquadramento constitucional, não é de admirar quando nos deparamos com uma Lei de Bases do Ambiente de cariz tão ambíguo. O artigo 5º, nº 2, tenta avançar uma "noção" de ambiente da qual cumpre fazer uma interpretação sistemática. Esta acaba por se concretizar numa operação de subtracção, pelo que só nos aproximamos de uma noção legal de ambiente se atentarmos à alínea a) e excluirmos as restantes. E o problema continua, uma vez que os preceitos subsequentes adiantam noções de "componentes ambientais naturais" e “componentes ambientais humanos". Componentes do ambiente: o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna - artigos 6º e ss.. Componentes ambientais humanos: a paisagem, o património natural e construído, a poluição – artigos 17º e ss..

Entendemos que, com um objecto desta amplitude, o Direito do Ambiente confronta-se com sérios problemas de efectivação das suas atribuições e directrizes, contendo poucas noções realmente operativas e misturando questões que, apesar de interligadas, dever-se-iam ter por autónomas e como objecto de estudo de diferentes disciplinas. A solução poderá passar por uma codificação geral (via alemã) ou por várias codificações especiais. Seja como for, cumpre racionalizar o processo legiferante no sentido e com o intuito da sua real e efectiva prossecução, uma vez que não devemos cometer os mesmos erros do passado e nos perdermos em textos legais caracterizados por uma verdadeira "obesidade normativa" tendente à desincentivação e à desvirtuação quanto à resolução de problemas concretos. O que se diz é ainda mais verdade se tivermos em conta que estamos em presença de um ramo tão jovem quanto nobre.


Petra Camacho

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