O objectivo deste trabalho é mostrar, com base num caso verídico da realidade ambiental portuguesa, a aplicação dos princípios gerais do ambiente. Tentei, assim, contextualizar a temática dos princípios gerais do Ambiente num caso verídico, sem, contudo, aprofundar as definições dos respectivos princípios, pois pareceu-me desnecessário, face ao carácter mais prático do trabalho.
Assim, 0 Complexo Químico de Estarreja (CQE) situa-se, mais precisamente, na Quinta da Indústria, freguesia de Beduído. Este complexo industrial teve origem na década de 30 com a instalação de uma fábrica de produção de cloro e soda (Sapec) mas apenas insurgiu como um importante pólo industrial após a 2ª Guerra Mundial, com o início da produção de amoníaco em Portugal. O valor económico deste complexo começou a ser realmente notório quando se decidiu obter hidrogénio (necessário à síntese de amoníaco) através de processos de hidrólise da água, colaborando assim para a viabilização dos investimentos em grandes centrais hidroeléctricas. Construiu-se assim, no mesmo espaço industrial, uma unidade de electrólise da água.
Após esta primeira fase de desenvolvimento do complexo, surgiu um acordo entre a Sacor (actualmente parte integrante da Galp) e o Amoníaco Português (actualmente integrado no grupo CUF) para uma instalação de uma unidade petroquímica de elementos aromáticos em Matosinhos em coordenação com a transformação de benzeno e tolueno no CQE. Este projecto não foi inteiramente para a frente, no entanto, ficou decidido que se iria utilizar o benzeno produzido em Matosinhos para produzir mononitrobenzeno/anilina. Foi assim que o CQE se tornou, em 1979, membro fundador do cluster português de Refinação de Petróleos/Indústrias Petroquímicas.
Foi apenas em 1982 que o CQE foi considerado um pólo rentável, pois conseguiu uma estabilização importante com o arranque da produção do MDI, um dos principais componentes do fabrico de poliuretanos (polímero em crescente procura nesta altura).
No final desta década, o mercado global dos poliuretanos começou a ser bastante competitivo. Aquando da entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia (CEE), a comercialização de sulfato de amónio (produto do fabrico de mononitrobenzeno/anilina) deixou de ser rentável devido aos mercados extremamente competitivos. Assim, foi um passo necessário mudar as tecnologias que até ai se utilizavam na produção química, com o fim de evitar este subproduto. O novo processo que adveio destas mudanças foi a Nitração Adiabática, processo este que voltou a pôr o CQE no mercado global.
Em 1996, o CQE já produzia anilina de forma estável e era agora composto pelas empresas Quimigal, Air Liquide, Uniteca, DOW e Bresfor. Após algumas reformas e privatizações, o CQE ficou com a sua configuração actual - Air Liquide, CIRES, DOW Portugal, Quimigal e APQ. É agora responsável por 20% do sector químico de base nacional e considerado "um dos mais importantes pólos de consolidação do investimento estrangeiro em Portugal, no sector industrial" .
A importância da zona em que o CQE se insere:
O concelho de Estarreja é um dos onze concelhos integrantes da Ria de Aveiro, sendo que o CQE está situado sobre o cordão dunar da Ria. Este é um sistema costeiro que se estende desde Ovar até Mira, perfazendo uma área total de 1647km2. Os rios Vouga, Antuã e Boco desaguam na Ria e esta possui uma única via de comunicação com o mar. A zona húmida envolvente é considerada de grande importância ambiental, visto ser habitat natural de mais de vinte mil aves aquáticas e estar classificada como Zona de Protecção Especial (ZPE) pela Directiva Aves (PTZPE0004, Decreto-Lei nº384-B/99 de 23 de Setembro - Plano Sectorial Rede Natura 2000). Tem também uma componente económica a considerar pois é ponto de produção de sal e de apanha do moliço, actividades tradicionais locais.
Principais impactes ambientais do CQE:
As principais substâncias poluentes advindas do funcionamento destas indústrias são cloretos, mercúrio e outros metais pesados, sulfatos, nitratos, produtos amoniacais, entre outros.
Desde o início do funcionamento destas indústrias químicas e durante muitos anos, depositaram-se resíduos sólidos no solo sem qualquer tratamento e foram lançados efluentes poluentes directamente para a Ria de Aveiro.
Apesar do pólo industrial não se situar em nenhuma zona classificada do ponto de vista da conservação da natureza e da zona estar definida no Plano Director Municipal como “classe de espaço industrial destinado à indústria transformadora” . A contaminação dos solos e de águas subterrâneas já foi um notório problema no passado mas tende a persistir até actualmente.
Na zona em que o CQE se insere é importante o risco de contaminação de águas subterrâneas devido às características dos produtos industriais, como a elevada solubilidade, a persistência e a toxicidade dos mesmos, foi construído directamente sobre uma camada de areias superficiais bastante permeáveis . Também o local (Esteiro de Estarreja) onde se efectua a descarga do efluente final proveniente da ETAR pode ser constituir um problema pois está inserido na ZPE da Ria de Aveiro.
Gestão Ambiental do CQE:
Uma das prováveis primeiras abordagens de gestão ambiental no CQE foi o aparecimento do projecto ERASE (Empresa de Regeneração de Águas e Solos de Estarreja) em 1994. Este projecto foi criado com o principal objectivos de solucionar o problema de contaminação de solos e águas criado por todos os anos que o complexo funcionou sem qualquer tipo de responsabilidade ambiental. O objectivo deste projecto foi a remoção e confinação dos resíduos acumulados na área do CQE, com o fim de não poluir mais o meio já muito poluído durante décadas e remediar o que já estava degradado, respeitando assim simultaneamente o Princípio da não degradação e o Princípio do Poluidor-Pagador.
Em 1993, o pólo industrial aderiu voluntariamente ao programa mundial da indústria química de Actuação Responsável. Criou-se assim o Painel Consultivo Comunitário do Programa de Actuação Responsável (PACOPAR), que apenas começou a funcionar em 2001.
Pedia-se transparência nos processos que envolviam a CQE que foi desenvolvida através de acções de sensibilização, acções de formação/informação e mesmo a edição anual de uma revista com indicadores de actividade e ambientais das empresas.
Os Estudos de Impacte Ambiental realizados no âmbito de projectos para alterações/alargamentos do CQE foram também postos em consulta pública. Considera-se assim que o complexo industrial respeitou o . Este painel contribuiu para o diálogo entre as indústrias e os stackeholders, pela criação de um fórum em que o objectivo era confrontar questões, problemas e preocupações da comunidade envolvente. Os membros deste painel são a Câmara Municipal de Estarreja, os Bombeiros Voluntários, um Hospital e o Centro de Saúde, a Associação Empresarial SEMA, algumas escolas, o Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro, as associações Quercus e Cegonha e a Guarda Nacional Republicana.
Princípio da Participação
De entre os Estudos de Impacte Ambiental (EIA) feitos no âmbito de projectos para alterações/alargamentos do CQE, dá-se especial ênfase ao EIA realizado em 2004 para o projecto de alterações da Quimigal.
Este estudo foi efectuado após já todas as alterações estarem concluídas e os novos equipamentos a funcionar nas suas plenas capacidades, cerca de seis anos após a criação do projecto. Numa fase inicial o promotor achou que não era necessária a realização de uma Avaliação de Impactes Ambientais (AIA) poiso projecto visava, a seu entender, uma contribuição para um melhor desempenho ambiental da empresa, demonstrando nesta altura uma grande falta de responsabilidade ambiental. No entanto a AIA foi efectuada alguns anos mais tarde e concluiu que algumas alterações efectuadas a nível das tecnologias utilizadas reduziram muito significativamente a produção de resíduos da empresa, considerando-se assim que a empresa respeitou o Princípio da Prevenção/Redução na fonte.
Considerações finais:
O passado do CQE foi bastante negro pelas indústrias serem uma fonte de poluição muito significativa na região de Aveiro.
A região em que o concelho de Estarreja se insere tem um elevado valor ecológico,visto a Ria de Aveiro estar legislada como ZPE. Assim,os riscos associados à poluição química proveniente da CQE podem ter impactos muito significativos no ecossistema da Ria mas também na saúde pública do concelho de Estarreja e envolventes.
Com este estudo conclui-se que as empresas que formam o CQE respeitaram nas suas acções os quatro Princípios de Gestão Ambiental, importantes essencialmente a nível social,ambiental e económico. Este pólo é um bom exemplo de interacção comunidade-indústria,visto possuir um painel de Actuação Responsável que promove a participação pública(PACOPAR). O projecto ERASE é também importante no que diz respeito à recuperação do meio envolvente que já tinha sido degradado por anos de poluição sem implementação de políticas ambientais.
No entanto,muito mais poderia ser feito por esta empresa principalmente a nível preventivo.
Falta-lhe uma aposta em melhores tecnologias que reduzam os efeitos negativos logo a partir da fonte e que não apostem apenas na mitigação/minimização da poluição emitida.
Mariana Ramos - A3
terça-feira, 18 de maio de 2010
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