Prevenção e Precaução
Duas faces da mesma moeda?
"Em minha opinião, preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente. E isto pelas seguintes ordens de razões:
[...]
b) De conteúdo material, uma vez que nem são unívocos os critérios de distinção entre prevenção e precaução, muito menos os resultados a que conduz a autonomização deste último princípio, cujo conteúdo, algo incerto, pode ir desde uma sensata exigência de ponderação jurídica consideradora da dimensão ambiental dos fenómenos, até a interpretações eco-fundamentalistas, susceptíveis de afastar qualquer realidade nova - a qual, na dúvida, pode ser sempre objecto de irracional desconfiança e, desde logo, considerada "culpada" de lesão ambiental."
Vasco Pereira da Silva
Os princípios de que vamos aqui falar têm como finalidade evitar lesões para o meio ambiente. Para evitar lesões é preciso saber onde está o perigo, ou seja, é preciso antecipar os riscos. Não só os riscos actuais mas também os riscos futuros. Visa-se, depois, criar uma alternativa que não seja “inimiga” do ambiente ou que, pelo menos, tenha um efeito menos nocivo e destruidor.
É por isso que existe o princípio da prevenção que está previsto no artigo 66º/2 a) da CRP e no artigo 3º/ a) 1ª parte da LBA.
Diz-nos o professor Vasco Pereira da Silva que ”este princípio, num sentido restrito destina-se “a evitar perigos imediatos e concretos (…) em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não inteiramente determináveis (…) de antecipação de acontecimentos futuros.”
Aquilo que se tem verificado é uma tendência da doutrina para reduzir o princípio da prevenção ao seu sentido restrito e de autonomizar o sentido lato a que se chama Princípio da Precaução; princípio esse que tem origem nos anos 70 na Alemanha, no Direito Internacional surge na Segunda Conferencia Ministerial do Mar do Norte, em 1987 e tem consagração nos tratados constitutivos da UE (art.174º/2).
O problema que se coloca é que, na realidade, há uma certa dificuldade em distinguir o primeiro princípio do segundo e por isso se questiona a sua pretensa “independência”.
Antes de “decidirmos”, vejamos o que é cada um deles. Na opinião da professora Carla Amado Gomes, o princípio da prevenção realiza a sua finalidade quando, na iminência de uma actuação humana que comprovadamente lesará, de forma inevitável e irreversível bens ambientais, se trava essa intervenção; quanto ao princípio da precaução significará que, na hesitação por falta de provas evidentes sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno lesivo do ambiente, deve ser-lhe dado um benefício da dúvida que incentive a antecipação da acção preventiva, ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e a proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente incontestável. Diz a mesma autora que este princípio nos dá uma prevenção qualificada, agravada “ (…) obrigando a uma ponderação agravada do interesse ambiental em face de outros interesses, (…) ”.
É de notar aqui que o princípio da precaução inverte o ónus da prova, cabendo a quem pretende iniciar uma actividade provar que esta não é lesiva do ambiente.
O professor Gomes Canotilho diferencia o princípio da precaução do princípio da prevenção dando o primeiro como um princípio autónomo e, portanto, afirmando que não deve haver confusão dos mesmos.
Advoga que o princípio da precaução se apoia na ideia de que na dúvida (dada a falta de comprovação científica) sobre os efeitos, eventualmente lesivos, de uma determinada actividade humana para o ambiente, essa actividade deve ser proibida. Diz-nos que deve haver o in dubio pro ambiente, o que leva à inversão do ónus da prova.
Verifica-se, uma divisão da doutrina entre fundamentalistas e os que defendem uma tese intermédia relativamente à existência do princípio da precaução enquanto princípio autónomo.
Mesmo os autores que lhe reconhecem essa autonomia, têm consciência de estar num terreno movediço dada a grande divergência de opiniões. Ora isto faz com que, por vezes, os parâmetros do princípio sejam difíceis de se perceber e sedimentar.
É exactamente isto que nos faz notar Ana Gouveia Martins. Diz-nos a autora que, não havendo provas científicas conclusivas sobre o nexo de causalidade entre certas actuações e o risco da ocorrência de danos, a definição do seu conteúdo revela-se extraordinariamente vaga. O professor Gomes Canotilho também parece partilhar da mesma opinião.
Deve fazer-se aqui notar a distinção que os dois últimos autores citados fazem entre risco e perigo. Afirmam que o primeiro existe quando não há uma certeza científica de que determinado acto gera um dano a um bem jurídico, já o segundo, existe quando há conhecimento de que uma acção causa um dano a um bem jurídico.
Ana Gouveia Martins chega mesmo a ir mais longe e distingue entre risco residual (situações em que a ocorrência de dano está praticamente excluída pela ciência) e risco previsível (situações em que é possível ocorrer um dano, mas não se sabe com certeza se tal vai acontecer, ficando aquém do patamar do perigo).
Vem depois a tirar a conclusão de que o princípio da precaução tem como fim evitar os riscos e não perigos, já que estes últimos devem estar abrangidos pelo princípio da prevenção; dentro dos riscos, apenas os previsíveis estão abrangidos.
Pelo que julgamos perceber, esta autora parece defender uma tese intermédia em que não exige nem o risco zero, nem o mero risco residual (como lhe chama); teria então que ser feita uma análise caso a caso a fim de saber quais os riscos justificativos da intervenção do princípio da precaução.
Terminamos com a posição do professor Vasco Pereira da Silva que é, aliás, sobejamente conhecida: não devem ser autonomizados os princípios; considera uma noção ampla de prevenção.
No seu entendimento, não existe qualquer diferença de significado entre os dois princípios; os critérios de distinção são muito vagos e pouco certos, não se conseguindo distinguir concretamente onde acaba um princípio e começa o outro; a ideia de um princípio “in dubio pro natura” é afastada, quer seja apenas numa dimensão ambiental, quer seja visto como presunção obrigando quem inicia uma nova actividade à prova excessiva de que não existirá qualquer dano para a natureza o que pode levar a um factor de inibição e estagnação; quando se utiliza o critério da incerteza dos danos para justificar o princípio da precaução está, também, a pôr-se em causa a causalidade existente entre a actividade e o dano; não são inequívocas as vantagens da autonomização do princípio da precaução.
Salienta o autor, que o conteúdo ambíguo do pretenso princípio da precaução pode ir “desde uma sensata exigência de ponderação jurídica consideradora da dimensão ambiental dos fenómenos, até interpretações eco-fundamentalistas, susceptíveis de afastar qualquer realidade nova – a qual, na dúvida, pode ser sempre objecto de irracional desconfiança e, desde logo, considerada “culpada” de lesão ambiental”, acaba a afirmar que o princípio da prevenção é um princípio constitucional “com todas as consequências que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos. Daí que (…) a adopção de uma noção ampla de prevenção, constitucionalmente fundada, me pareça ser a via mais eficaz e adequada para assegurar, entre nós, a “melhor tutela disponível” dos valores ambientais.”
Como se pode concluir pela nossa explanação, damos razão ao professor Vasco Pereira da Silva uma vez que os critérios que aqui foram descritos para distinguir um do outro parecem de facto completamente flutuantes, não há uniformidade, nem podia, em nossa opinião haver, dado que se trata de uma discussão quase que meramente semântica e que na prática poderá levar a resultados completamente injustos e descabidos por nos parecer que este mecanismo poderia vir a ser um estagnador da evolução.
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