terça-feira, 18 de maio de 2010

3º Tarefa: What on earth is the Environment?

Com este título, J. Stan Rowe publicou um interessante artigo sobre o problema que nos cabe agora analisar. O autor pretende uma viragem de perspectiva sobre a forma como deve ser interpretado o conceito “Ambiente”. Se, à primeira vista, não parece passar da concretização de um conceito necessariamente (ou não, para alguns) abstracto, na verdade as consequências da sua análise são substancialmente mais amplas.

Já muito se escreveu aqui sobre a concretização pelo legislador nacional deste conceito, por isso pretendemos somente analisar o impacto que uma pequena alteração na interpretação do mesmo poderá ter, ou seja, até que ponto as bases deste recente Direito podem ser alteradas consoante a visão que dele impere.

A dimensão do problema é quase óbvia, uma vez que enquanto não se definir o que é o “Ambiente” é impossível tutela-lo correctamente. Como nos alerta o Prof. Gomes Canotilho, o conceito não poderá ser de tal forma vago e abrangente que tudo se possa enquadrar nele, tal só esvaziaria o seu conteúdo. Assim já dizia Shakespeare, “To be, or not to be: That is the question”.

Levantada a questão, só falta a resposta. O legislador nacional resolveu dar várias (como ensinam a Prof. Carla Amado Gomes e o Prof. Vasco Pereira da Silva), nós não daremos nenhuma. Na verdade qualquer definição só vai contribuir para que o leitor veja a perspectiva sobre a qual o autor pensa como deve ser tutelado o Ambiente. Perspectiva essa que se divide em duas grandes correntes de pensamento: Antropocentrismo e o Ecocêntrismo.

A resposta à pergunta “O que é o Ambiente?” prende-se obrigatoriamente com um factor crucial nesta enorme equação, o Homem. Assim relevam outras questões.

Será que o “Ambiente” merece uma tutela independentemente da sua interacção com o Homem? Será que o Ambiente tem um valor intrínseco, merecedor de uma tutela autónoma?

Uma visão ecocêntrica traduz-se numa perspectiva sobre o “Ambiente” ou partes que o componham como um valor autónomo, intrínseco. Nas palavras de Rowe “Ecocentrism is not an argument that all organisms have equivalent value. It is not an anti-human argument nor a put-down of those seeking social justice. It does not deny that myriad important homocentric problems exist. But it stands aside from these smaller, short-term issues in order to consider Ecological Reality. Reflecting on the ecological status of all organisms, it comprehends the Ecosphere as a Being that transcends in importance any one single species, even the self-named sapient one”… “Ecocentrism is a new way of thinking. It proposes an ethic whose reference point is supra-human, placing Ecosphere health before human welfare”.





Numa visão antropocêntrica o “Ambiente” tem valor não per si mas pela sua relação com o Homem.

Criacionistas ou Darwinistas, todos concordam que seja ao sexto dia ou alguns milénios depois, o Homem apareceu depois de existir “Ambiente”. O Ambiente já “era”, mas para o Direito o que interessa é saber “o que é”. Se ubi societas ubi ius, rapidamente se percebe que o valor que será atribuído ao “Ambiente”, permitindo assim a sua tutela, depende obrigatoriamente do valor que o Homem, que a sociedade, lhe reconhece.

Na atribuição desse valor sempre que se atender a um critério em que em última análise se equacione o impacto que a lesão no Ambiente terá no Homem estaremos perante uma visão Antropocêntrica. Assim se passa com as correntes modernas utilitaristas…

A visão Ecocêntrica levanta necessariamente um problema de maior. Saber na prática qual o valor do “Ambiente” nas suas varias componentes e, principalmente, “no caso concreto”. Quem, como e porquê, fará um juízo no caso de um confronto entre o interesse de uma pessoa com personalidade jurídica e do “interesse do ambiente”?

Repare-se que hoje, qualquer juízo que se faça sobre o assunto, em qualquer conflicto, se pondera o interesse público lesado na lesão do ambiente. Pondera-se o interesse do Sr. A ou da Aldeia B ou da Associação C nunca o interesse do “Ambiente” per si.

É verdade que uma visão em torno do Homem pode sempre levar a excessos, o que só significa que o Homem terá de perceber quão grave são as lesões que causa no “Ambiente”, não porque este tenha um valor intrínseco, mas porque indirectamente (hoje, infelizmente cada vez mais, directamente), causa um dano em si, na própria sociedade presente e futura.

Não nos parece viável uma visão ecocêntrica. Para este debate não nos parece que tenha relevância alguma a forma como o conceito “Ambiente” aparece densificado no nº2 do art 2.º, nas als. d), e), f), m) e n) do art. 4.º ou na al. f) do nº2 do art. 5.º da Lei de Bases do Ambiente ou nas als. c), d) e g) do nº2 do art. 66.º da C.R.P, ou em qualquer outra norma jurídica, apesar de parecer que se tutela a natureza enquanto bem com valor per si.
Na prática qualquer tentativa de proteger o “Ambiente” passará obrigatoriamente pela ponderação dos interesses do Homem. O “Antropocentrismo alargado” de que fala a doutrina moderna não é uma terceira via mas uma primeira via (Antropocêntrica) com bom senso!


Dito isto, pessoalmente defendemos uma velha tese (hoje já fora de moda…): a de que o Homem e o Direito positivo têm necessariamente de obedecer a determinados limites, a que em tempos se chamou Direito Natural… essa ideia foi em tempos válida para o Direito e poderíamos contender que em relação ao Ambiente seria defensável a protecção de um interesse superior ao do próprio Homem, que poderia implicar uma nova perspectiva de se encarar o Ambiente.


Como sabemos o Direito Ocidental foi profundamente influenciado pelo Direito Canónico e, respectivamente pela cultura Cristã.

Com base na doutrina da Igreja Católica, principalmente no discurso do Papa João Paulo II na celebração do XXIII Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 1990, é possível defender-se que tudo o que foi criado por Deus terá um valor (incalculável) independente do valor que o Homem lhe atribua.
Como disse o Santo Padre “A crise ecológica - uma vez mais o repito - é um problema moral”… “A norma fundamental, capaz de inspirar um sadio progresso económico, industrial e científico, é o respeito pela vida e, em primeiro lugar, pela dignidade da pessoa humana.”
“Para todos é evidente a complexidade do problema ecológico. Há no entanto, alguns princípios basilares que, com o respeito da autonomia legítima e da competência específica de quantos estão empenhados em buscar-lhe uma solução, podem orientar a pesquisa no sentido de soluções adequadas e duradouras. Trata-se de uma série de princípios essenciais para construir uma sociedade pacífica, a qual não poderá ignorar nem o respeito pela vida, nem o sentido da integridade da criação.”
Tendo isto em conta podemos concluir que se o Homem atender à Lei Natural, ao principio da dignidade da pessoa humana, ao respeito pela vida e ao sentido da integridade da criação assim como à “consciência ecológica, que não deve ser reprimida, mas antes favorecida, de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em programas e iniciativas concretas”[1], será possível estabelecer os critérios para que se responda à pergunta “o que é o Ambiente?” sem se ter por resposta algo inconcebível e irrealista para o Direito, nem algo que só tenha os interesses do Homem em consideração.
[1] João Paulo II, no mesmo discurso.

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