sábado, 17 de abril de 2010

Princípio do desenvolvimento sustentável?

Na análise deste “possível” princípio jurídico do Direito do Ambiente, não podemos deixar de partir do artigo 66º/2 da Constituição, que se refere expressamente ao desenvolvimento sustentável como pressuposto de realização do direito ao ambiente, atribuindo ao Estado uma série de tarefas enunciadas nas alíneas seguintes do mesmo artigo. Dizemos “possível” princípio porque na posição de alguns autores ele não tem autonomia ou é um falso princípio. Para Carla Amado Gomes, por exemplo, “o desenvolvimento sustentável (…) nada mais é do que uma equação de ponderação circunstanciada e conjuntural do interesse de preservação ambiental e dos interesses de desenvolvimento económico” (cfr. CARLA AMADO GOMES, Direito Administrativo do Ambiente, in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. I, Coimbra, 2009, pág. 189).
Pode definir-se este princípio como “a capacidade de satisfação das necessidades da geração presente sem comprometimento da capacidade de satisfação das necessidades das gerações vindouras” (na formulação do Relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento sustentado), e entende-se que remonta à Declaração de Estocolmo de 1972 e à Carta da Natureza de 1982, tendo surgido, essencialmente, com carácter económico, ao alertar para a necessidade de harmonização entre o desenvolvimento sócio-económico e a protecção do meio-ambiente. Para Vasco Pereira da Silva, porém, o desenvolvimento sustentável é também dotado de uma vertente jurídica, na ordem internacional e no direito interno, como princípio constitucional que exige a “ponderação das consequências para o meio-ambiente de qualquer decisão jurídica de natureza económica tomada pelos poderes públicos” e que postula “a sua invalidade no caso dos custos ambientais inerentes à sua efectivação serem incomparavelmente superiores aos respectivos benefícios económicos” (cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, 2002, pág. 73). O desenvolvimento sustentável impõe a “fundamentação ecológica” das decisões de desenvolvimento económico, determinando a ponderação dos benefícios e prejuízos de carácter económico e ecológico de cada medida, e excluindo por inconstitucionalidade as que sejam intoleravelmente ofensivas do ambiente.
Como poderemos avaliar se o desenvolvimento sustentável é realmente um princípio jurídico autónomo vinculante da Administração, ou uma forma de concretização ao nível ambiental dos princípios gerais da actividade administrativa, ou ainda um falso princípio como pensa Carla Amado Gomes? Esta autora refere que qualquer princípio tem que ser composto por um núcleo mínimo de elementos que permitam a sua aplicação homogénea a um conjunto idêntico de situações, isto é, deve ditar um comportamento determinado aos destinatários para ser normativo. Para descortinarmos a natureza jurídica do princípio, seria necessário, na opinião da autora, identificar projecções do mesmo na norma convencional ou legal e consultar na jurisprudência o reconhecimento do princípio. Para Gomes Canotilho, a utilidade dos princípios baseia-se em três factores: constituírem um padrão de validade das leis, auxiliarem a interpretação de outras disposições normativas e serem meios de integração de lacunas.
Acompanhamos Vasco Pereira da Silva ao considerar o desenvolvimento sustentável, entre outros princípios, como princípio autónomo directamente vinculante para a Administração que cria parâmetros decisórios específicos em matéria de ambiente, cujo desrespeito gera a invalidade das decisões administrativas.
Partindo das condições enunciadas por Carla Amado Gomes, identificamos no artigo 66º da Constituição uma projecção do princípio do desenvolvimento sustentável estritamente ligado ao direito fundamental ao ambiente, alcançando assim a natureza de garantia jurídica necessária para a sua realização, o que implica a aplicação ao mesmo do regime jurídico do artigo 18º (aplicabilidade imediata e vinculação de entidades públicas e privadas). Relativamente ao reconhecimento do princípio na jurisprudência, podemos indicar alguns acórdãos, entre outros, que recorrem ao desenvolvimento sustentado como critério de decisão. Por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2006 (Relator Custódio Montes) invoca o conceito de desenvolvimento sustentado como forma de harmonizar a dimensão humana, económica e ecológica do direito ambiental, citando Jair Teixeira dos Reis. No Acórdão do mesmo tribunal de 23.09.1998 (Relator Garcia Marques), justifica-se a minimização dos factores de risco nos aterros sanitários, reduzindo-os a limites toleráveis, como corolário do princípio do desenvolvimento sustentado.
Perante a nossa Constituição, a protecção ambiental tem a natureza de valor fundamental da ordem jurídica e tarefa principal do Estado, o que requer a necessidade de autonomizar critérios específicos da dimensão ecológica de todas as decisões administrativas. Tal como escreve Tomás-Ramón Fernández, é indispensável considerar o factor ambiental em todos os procedimentos decisórios, pelo que “quando se omite no processo de elaboração de uma decisão qualquer factor juridicamente relevante, (…) não é possível afirmar que estamos perante uma decisão justificada e respeitadora da proibição constitucional da arbitrariedade dos poderes públicos” (TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, «Grandeza y Miséria del Derecho Ambiental», cit. in VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, pág. 82). Por estas razões, é necessário o tratamento autónomo do princípio constitucional do desenvolvimento sustentável em matéria de ambiente, quer como parâmetro decisório, quer como limite de actuação dos poderes públicos, quando está em causa a realização de tarefas por parte do legislador, da Administração ou dos tribunais.
Nas palavras de Edis Milaré, o “(…)desenvolvimento sustentável (…) consiste na possível e desejável conciliação entre o desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida – três metas indispensáveis.”. Segundo Sachs (1993), a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais – IUCN (1991) – considera desenvolvimento sustentável o processo que melhora as condições de vida das comunidades humanas e, ao mesmo tempo, respeita os limites da capacidade de carga dos ecossistemas. Pela nossa parte, depois de termos verificado a utilidade do princípio em discussão como critério de validade de decisões e como parâmetro auxiliador das sentenças judiciais, concluímos pela natureza jurídica do princípio do desenvolvimento sustentável, que facilita uma postura preventiva no âmbito do Direito do Ambiente, em vez de uma perspectiva estritamente reparadora.

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