sábado, 24 de abril de 2010

Comentário à 3º tarefa: De que falamos quando falamos de ambiente?

Esta questão está inteiramente ligada ao direito do ambiente como objecto.
É óbvio que a realidade e a dogmática do direito do ambiente estará sempre assente na pré-compreensão que se tiver de ambiente, ou melhor, qual a opção ideológica a tomar. Não é por acaso que o direito se molda às vertentes de ciência política, consoante sejam mais socialistas ou mais liberais. O mesmo acontece com direito do ambiente, pois aqui a concepção ideológica também é preponderante.
Quanto a esta problemática existem duas concepções. Uma primeira concepção assenta numa visão antropocêntrica, em que a salvaguarda do ambiente existe como um bem para o homem, pois, como refere Carla Amado Gomes, esta concepção “parte da consideração dos bens naturais como fontes de utilidade para a vida humana, como veículos de satisfação de necessidades vitais e de incremento de bem estar”. Podemos referir que neste caso o valor do ambiente é calculado tendo em conta as necessidades que o homem tem dele ou a medida do seu aproveitamento.
Uma segunda concepção, que é denominada de ecocêntrica, considera a natureza como uma realidade que só por si merece tutela, tendo a satisfaça do homem uma questão secundária. Como Hans Jonas refere os bens naturais teriam uma “dignidade autónoma”.
Como é lógico, cada um destes entendimentos, leva a que o objecto do direito do ambiente seja entendido de forma diferente.
Uma pergunta surge desde logo no ar: qual foi a opção do legislador português?
Neste caso, é mais correcto dizer, como refere Carla Amado Gomes, opções do legislador português.
Desde logo, o legislador português com a noção de ambiente presente no art.5º/2/a) da lei de bases do ambiente, reconduz-nos a uma visão ampla de ambiente, em que integra bens naturais e bens culturais, e obviamente traduzindo uma visão antropocêntrica, pois a natureza é protegido em função das necessidades do ser humano.
Percorrendo a lei de bases do ambiente, esta noção ampla de antropocêntrica de ambiente é contradita pelos arts.2º/2. 4º/d),e),f),m) e n) e 5º/2/f), pois estas disposições traçam, claramente um caminho para a protecção da natureza enquanto bem em si, estando aqui subjacente uma visão ecocêntrica.
Viajando para a lei fundamental, surgem novas contradições, pois a epígrafe do art.66º liga o ambiente à qualidade de vida, depreendendo-se claramente uma concepção antropocêntrica. Aliada a esta epígrafe, surgem-nos outras manifestações de antropocentrismo no art.66º/1 e 2/b), c), e), pois há aqui uma estreita ligação de ambiente a outras realidades que não tem a ver directamente com o ambiente, como urbanismo, ordenamento do território ou protecção do território, estando, mais uma vez, consagrada uma concepção ampla de ambiente.
Mas, para adensar ainda mais a confusão, este art.66º vem ainda dar notas de estar comprometido com uma visão restrita e ecocêntrica.
No nº2, depois da referência a “desenvolvimento sustentável”, as alienas c), d) e g) têm passagens como “ Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiental” (aliena g)).
Por último, temos ainda os arts.278º, 279º e 281º do código penal, que vêm ainda adensar mais a confusão, pois consagram crimes ecológicos, que, segundo Carla Amado Gomes, “(…) apontam para esta libertação do ambiente da instrumentalização promovida pela perspectiva antropocêntrica”.
Que concluir desta amalgama? Bom, penso que se justifica plenamente a leitura feita por Carla Amado Gomes e Cunhal Sendim, em que estaremos na presença uma terceira via (Cunhal Sendim apelida de antropocentrismo alargado), estando esta a meio caminho entre a visão antropocêntrica e ecocêntrica.
Como Cunhal Sendim refere “(…) numa visão antropocêntica alargada, a tutela jus-ambiental vem abranger a capacidade funcional ecológica do património natural independentemente da sua utilidade directa. Fundamenta-se, por isso, na consideração do interesse público na integridade e estabilidade ecológica da natureza e pode (…) justificar o sacrifício de interesses humanos no aproveitamento imediato dos bens naturais”.
Para concluir, resta-nos referir a nossa opinião. Pensamos que, a visão de ambiente no nosso ordenamento jurídico diz respeito à ideia referida de Cunhal Sendim, mas, na nossa opinião, creio que seria melhor uma visão ecocêntrica e restrita, pois, como refere Gomes Canotilho, se não se fizer a separação das águas o ambiente será uma espécie de saco que tudo abarca. Esta junção de realidades que são autonomizáveis podem gerar problemas ao nível da política ambiental, da concepção ambiental e do nível de educação ambiental.

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